Sabemos mesmo?

(Xenófanes de Cólofon, 570-475 a.C.)

Havia um seriado na TV, nos anos 50, que fez muito sucesso: Papai Sabe Tudo. O título original era mais apropriado: Father Knows Best. Vi algumas reprises nos anos 80.

O fato é que, na minha visão, ninguém “sabe” nada, a rigor. O que julgamos saber é precário e provisório.

É “sabido” que Sócrates afirmava “sei uma coisa: que eu nada sei”.

Para Platão, tudo o que podemos dizer é, no melhor dos casos, “verossímil” e não a verdade; é, no máximo “como” a verdade. “Temos apenas opinião”, como arrematava seu contemporâneo Isócrates.

É preciso, então, distinguirmos entre “conhecimento”, “verdade certa” (episteme), e “opinião” (doxa).

Pensadores pré-socráticos, como Xenófanes e Parmênides, acreditavam que o “conhecimento” é divino, cabe aos deuses; para nós, mortais, sobram as opiniões.

Essas opiniões, interpretava Xenófanes, são conjecturas que podem ser aperfeiçoadas.

Xenófanes incomodava, principalmente com suas críticas ao politeísmo: ele declarava que Deus é uno. A religião, segundo ele, pretende que os deuses são ‘engendrados” mas, Deus é eterno; ela pretende que os deuses podem mudar mas, Deus é imutável. A divindade é um ser supremo e só pode haver um. Ainda: Deus não tem uma forma humana.

“Os egípcios dizem que seus deuses têm nariz chato e são negros, os trácios que eles têm olhos verdes e cabelos ruivos.

Mas se mãos tivessem os bois, os cavalos e os leões e pudessem com as mãos desenhar (…), os cavalos semelhantes aos cavalos, os bois semelhantes aos bois, desenhariam as formas dos deuses.” (Xenófanes)

Era crítico, em especial, em relação a Pitágoras e sua ideia da metempsicose.

Ele teria sido o primeiro a reduzir todas as coisas à unidade e considerado o universo em seu conjunto – embora, na sua época, o universo era apenas a abóbada celeste. E, que a unidade era Deus, daí extraindo a ideia da unidade do ser.

Xenófanes era um poeta, porém os gregos de então não separavam a poesia da teoria ou sabedoria (sophia) nem, aliás, esta da vida.

Cético, afirmava que se alguém encontrasse a “verdade” por acaso, poderia morrer sem saber que a encontrara.

“A própria verdade, nunca ninguém a conheceu nem a conhecerá, no que se refere aos deuses e a tudo de que falo.

Pois mesmo se alguém devesse falar dela com toda a exatidão possível, nem por isso ele teria tido a visão direta (a certeza), mas sobre todas as coisas pode-se formar opiniões verossímeis.” (Xenófanes)

Para ele, o amor pela sabedoria deve nos levar à construção e não à crença na “verdade”.

Como as ideias não são estanques, logo surgiu Protágoras, que cunhou a frase: “O homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não são.”

Argumentava que como “Nada sabemos sobre os deuses, logo não sabemos o que eles sabem. Assim, o conhecimento humano deve ser tomado como nosso padrão, como nossa medida.”

Esse mote foi retomado por Aristóteles, que rompeu definitivamente com a tradição de distinguir entre o conhecimento divino e a conjectura humana. “Ele crer saber”: que ele mesmo tem o conhecimento científico demonstrável.

O que para Platão é uma “hipótese” científica, torna-se, em Aristóteles, conhecimento demonstrável. Acabou, assim, com a razoável tradição de que sabemos muito pouco.

Isso, basicamente, nos trouxe até aqui. Pro bem e pro mal.

Publicado por Dorgival Soares

Administrador de empresas, especializado em reestruturação e recuperação de negócios. Minha formação é centrada em finanças, mas atuo com foco nas pessoas.

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