“General, o homem é muito útil/ Ele sabe voar e sabe matar/ Mas tem um defeito: Ele sabe pensar” (Brecht)

(Eugen Bertholt Friedrich Brecht, 1898-1956)

NÃO HÁ VAGAS

O preço do feijão
não cabe no poema
O preço do arroz
não cabe no poema

Não cabem no poema o gás
a luz
o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão

O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos

Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras
– porque o poema, senhores,
está fechado:
“não há vagas”

Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço

O poema, senhores,
não fede
nem cheira

(Ferreira Gullar)

POEMAS AOS HOMENS DO NOSSO TEMPO III

Sobre o vosso jazigo
– Homem político –
Nem compaixão, nem flores.
Apenas o escuro grito
Dos homens.

Sobre os vossos filhos
– Homem político –
A desventura
Do vosso nome.

E enquanto estiverdes
À frente da Pátria
Sobre nós, a mordaça.
E sobre as vossas vidas
– Homem político –
Inexoravelmente, nossa morte.

(Hilda Hilst)

PRIVATIZADO
Privatizaram sua vida, seu trabalho, sua hora de amar
e seu direito de pensar
É da empresa o seu passo em frente,
seu pão e seu salário.
E agora não contentes querem
privatizar o conhecimento, a sabedoria,
o pensamento, que só à humanidade pertence.

(Bertolt Brecht

EPITÁFIO PARA O SÉCULO XX

Aqui jaz um século
onde houve duas ou três guerras
mundiais e milhares
de outras pequenas
e igualmente bestiais.

Aqui jaz um século
onde se acreditou
que estar à esquerda
ou à direita
eram questões centrais.

Aqui jaz um século
que quase se esvaiu
na nuvem atômica.
Salvaram-no o acaso
e os pacifistas
com sua homeopática
atitude
-nux vômica.

Aqui jaz o século
que um muro dividiu.
Um século de concreto
armado, canceroso,
drogado, empestado,
que enfim sobreviveu
às bactérias que pariu.

Aqui jaz um século
que se abismou
com as estrelas
nas telas
e que o suicídio
de supernovas
contemplou.
Um século filmado
que o vento levou.

Aqui jaz um século
semiótico e despótico,
que se pensou dialético
e foi patético e aidético.
Um século que decretou
a morte de Deus,
a morte da história,
a morte do homem,
em que se pisou na Lua
e se morreu de fome.

Aqui jaz um século
que opondo classe a classe
quase se desclassificou.
Século cheio de anátemas
e antenas, sibérias e gestapos
e ideológicas safenas;
século tecnicolor
que tudo transplantou
e o branco, do negro,
a custo aproximou.

Aqui jaz um século
que se deitou no divã.
Século narciso & esquizo,
que não pôde computar
seus neologismos.
Século vanguardista,
marxista, guerrilheiro,
terrorista, freudiano,
proustiano, joyciano,
borges-kafkiano.
Século de utopias e hippies
que caberiam num chip.

Aqui jaz um século
que se chamou moderno
e olhando presunçoso
o passado e o futuro
julgou-se eterno;
século que de si
fez tanto alarde
e, no entanto,
– já vai tarde.

(Affonso Romano Sant’Anna)

MEU POVO, MEU ABISMO

Meu povo é meu abismo.

Nele me perco:

a sua tanta dor me deixa

surdo e cego.

Meu povo é meu castigo

meu flagelo:

seu desamparo,

meu erro.

Meu povo é meu destino

meu futuro:

se ele não vira em mim

veneno ou canto –

apenas morro.

(Ferreira Gullar)

Publicado por Dorgival Soares

Administrador de empresas, especializado em reestruturação e recuperação de negócios. Minha formação é centrada em finanças, mas atuo com foco nas pessoas.

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