A militante do Ideal

(Patrícia Galvão, 1910-1962, foto no prontuário do Deops em1936)

“O que você está falando, menina?

Estou falando que.

Que o quê?

Que.

Vamos dizer que a menina, minha amiga,

pretenderia o quê?

Que.”

(Poema de Pagu, pouco antes de sua morte)

Patrícia Rehder Galvão, Pagu, foi um dos raros exemplos de mulher plena, que não se deixava aprisionar por grilhões mentais, além das onipresentes delimitações sociais e políticas.

Dedicou sua vida (1910-1962) ao serviço de ideias e do progresso social, com um engajamento de tirar o fôlego. Para ela, enquanto não houvesse liberdade para a mulher não haveria liberdade para a humanidade.

Numa longa carta confessional endereçada ao seu companheiro Geraldo Ferraz, conta sobre os constantes assédios que vinham de todos os tipos de homens, tanto os literatos como os companheiros comunistas a oficiais do Exército brasileiro e do soviético.

“Enquanto seus sentimentos e desejos tinham de ser reprimidos em nome da política, o desejo dos homens por ela era livre, e seu corpo estaria à disposição da causa, tanto que ela chegou a receber uma missão de trocar informações estratégicas por sexo. E uma vez nas garras da polícia, teve seu corpo seviciado. Segundo Darcy Ribeiro, nas sessões de tortura um arame foi introduzido na sua uretra.” (Silvana Jeha)

Em 1931, tornou-se a primeira presa política no país, ao recolher o corpo agonizante do estivador negro Herculano de Souza num comício em Santos organizado pelo Partido Comunista em homenagem a Sacco e Vanzetti, anarquistas injustamente condenados à morte nos anos 1920.

Neste ano, tornou-se operária nas tecelagens do Braz para conhecer a realidade das operárias – chamava-se proletárias – e fazer panfletagem política. Daí saiu seu livro “Parque industrial”, uma crítica à exploração do trabalhador.

“Nós não podemos conhecer os nossos filhos! Saímos de casa às seis horas da manhã. Eles estão dormindo. Chegamos às dez horas. Eles estão dormindo. Não temos férias! Não temos descanso dominical!” (Fala de um cozinheiro)

“Nós construímos palácios e moramos pior que os cachorros dos burgueses. Quando ficamos desempregados, somos tratados como vagabundos. Se só temos um banco de rua para dormir, a polícia nos prende.” (Grita um operário da construção civil)

São condições que propiciavam o aliciamento para o Partido Comunista. A CLT, de 1943, veio atenuar esses absurdos.

Essa experiência como operária foi anterior à realizada pela filósofa militante Simone Weil, que trabalhou na Renault por dois anos.

Pagu engajou-se na ala esquerdista do movimento da Antropofagia, com Oswald de Andrade, Raul Bopp, Geraldo Ferraz e outros. Mário de Andrade era da ala católica.

Após a primeira prisão (foram 23 ao longo da vida) fez uma volta ao mundo: Estados Unidos, Japão, Manchúria, Moscou (via trem Transiberiano), França e Alemanha.

Em Moscou, uma decepção: nas festas e hotéis, o luxo para os oficiais do Exército Vermelho; na rua, as crianças mortas de fome. Mas, a realidade não é suficiente para os que não a aceitam. Vê-se isso no Brasil hoje.

Em Paris, ingressa no PC francês e é presa. Conseguiu voltar ao Brasil graças ao embaixador Souza Dantas. Foi novamente presa e torturada pelas forças da ditadura de Getúlio Vargas. Desta vez acabou ficando na cadeia por cinco anos.

“Pagu era selvagem, inteligente e besta”, autodefiniu-se.

Ela iniciou sua vida sexual com 12 anos incompletos e teve seu primeiro aborto aos 14 anos; o segundo, quando tinha 18 anos – o pai seria Oswald de Andrade, ainda casado com Tarsila do Amaral.

(“Figura só”, pintura de Tarsila do Amaral, após separação de Oswald)

Uma mulher que colecionava nomes, para a clandestinidade: Zazá, Maú, Patrícia, Pat, Mara Lobo, Solange Sohl, Ariel, Patsy, Maria Magalhães, Léonie Boucher.

Publicado por Dorgival Soares

Administrador de empresas, especializado em reestruturação e recuperação de negócios. Minha formação é centrada em finanças, mas atuo com foco nas pessoas.

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