
Ninguém fala delas. Se não existiram enquanto viviam, como fazê-las presentes?
Maio é o mês da Luta Antimanicomial; hoje, 6 de maio, é aniversário de Freud; dia 13 comemora-se a Abolição da Escravidão: tudo se relaciona com a sofrida experiência terrena de Stella do Patrocínio e de Aurora Cursino dos Santos.
Hospício foi o destino “natural” de Stella e de Aurora: esta, ficou internada no Juquery, em São Paulo, entre 1944 e 1959; Stella, na Colônia Juliano Moreira, no Rio, onde ficou por trinta anos.
Aurora era prostituta; fugira de casa por não aceitar um casamento imposto, aos 16 anos. À época, negra e caipira, restavam poucas ocupações para as rebeldes.
Stella, também negra e pobre, foi levada à força pela polícia. Política de “higiene social”.
Na época em que Aurora nasceu, Freud articulava a psicanálise e se ocupava do estudo da “histeria”, causa das volumosas internações de mulheres em clínicas e hospícios.
Ainda hoje, os hospícios continuam para o descarte dos indesejáveis; no século passado, principalmente, serviam para o encarceramento perpétuo dos “desajustados”: pobres, homossexuais, prostitutas, opositores políticos, mulheres cujos maridos queriam abandoná-las etc.
NÃO DEU TEMPO
“não deu tempo
eu estava tomando claridade e luz
quando a luz apagou
a claridade apagou
tudo ficou nas trevas
na madrugada mundial
sem luz” (Stella do Patrocínio)

EU ERA GASES PURO
“eu era gases puro, ar, espaço vazio, tempo
eu era ar, espaço vazio, tempo
e gazes puro, assim, ó, espaço vazio, ó
eu não tinha formação
não tinha formatura
não tinha onde fazer cabeça
fazer braço, fazer corpo
fazer orelha, fazer nariz
fazer céu da boca, fazer falatório
fazer músculo, fazer dente
eu não tinha onde fazer nada dessas coisas
fazer cabeça, pensar em alguma coisa
ser útil, inteligente, ser raciocínio
não tinha onde tirar nada disso
eu era espaço vazio puro” (Stella do Patrocínio)

EU NÃO QUERIA ME FORMAR
“eu não queria me formar
não queria nascer
não queria formar forma humana
carne humana e matéria humana
não queria saber de viver
não queria saber da vida
eu não tive querer
nem vontade para essas coisas
e até hoje eu não tenho querer
nem vontade para essas coisas” (Stella do Patrocínio)

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Hospício foi o destino “natural” de Stella e de Aurora: esta, ficou internada no Juquery, em São Paulo, entre 1944 e 1959; Stella, na Colônia Juliano Moreira, no Rio, onde ficou por trinta anos. Começando a discorrer sobre esse tema tão relevante, nós temos uma imensa dívida com grade parte da população menos favorecida. Em um passado não muito distante ( e alcancei esse passado) onde a psicologia, a psiquiatria estávamos se engatinhando e o desconhecimento, a ignorância, a falta de cientistas habilitados para tratar de assuntos da mente. Eram todos jogados no mesmo balaio como “loucura” . Somente quem já viu um manicômio onde os nossos semelhantes eram jogados pior que animais. Os gritos horríveis de dor e pedidos de socorros ouvíamos de longe. Eram-lhes aplicadas injeções chamadas popularmente como “sossega leão” e as chamadas “camisas de forças “para calar os gritos de dor dos oprimidos numa verdadeira covardia e falta de conhecimento de um tratamento adequado, digno e decente para abafar as dores da alma e da mente. Graças aos pioneiros e estudiosos hoje não podemos dizer que as coisas estão 100%, melhor , mas já se tem em nossos dias um tratamento medico-psicologico -psiquiatra mais humanizado. Porém , não se apaga de nossa história essa mancha negra de não muito distante. Evidente que ainda existe algumas supostas clínicas que impigem aos nossos semelhantes clandestinamente sofrimentos desnecessários. Nem gostaria de falar aqui nesse texto fatos desumanos que conheço por força de minha profissão atos dolorosos aos seres humanos que por vezes doentes da mente cometem delitos e vão parar nos desumanos manicômios judiciários. O assunto é vasto. Porém , essa dívida nós como sociedade temos com os doentes da mente. Infelizmente nosso País não tem investido na ciência nos últimos tempos. Fico por aqui como disse escreveria um tratado ou livro sobre esse assunto que me incomoda muitíssimo.
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