
Mais poesias. Algo que valha a pena, neste mundo sufocante. Algo inútil. Aquilo que antes de contrariar, possa expandir. Cercar-se de ares frescos, mesmo pútridos.
Poesia como via João Cabral: “Isto não presta para nada, e no entanto está aqui a minha vida inteira.”
Ou, como protestava Maria Tsvietáieva: “Não amo o mar; o mar não tem contraponto.”
EXÍLIO
“Quando a pátria que temos não a temos
Perdida por silêncio e por renúncia
Até a voz do mar se torna exílio
E a luz que nos rodeia é como grades”
(Sophia de Mello Breyner Andresen)
Tecendo a Manhã
“Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.”(João Cabral de Melo Neto)
Pudesse eu
Pudesse eu não ter laços nem limites
Ó vida de mil faces transbordantes
Para poder responder aos teus convites
Suspensos na surpresa dos instantes!(Sophia de Mello Breyner Andresen)
Não sou ninguém
Não sou Ninguém! Quem é você?
Ninguém – Também?
Então somos um par?
Não conte! Podem espalhar!Que triste – ser – Alguém!
Que pública – a Fama –
Dizer seu nome – como a Rã –
Para as almas da Lama!(Emily Dickinson, tradução de Augusto de Campos)
Vaso
Moldar em torno do nada
uma forma
aberta e fechada.Palavra por palavra
o poema circunscreve seu vazio.(Ana Martins Marques)
Versos Íntimos
Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de sua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!Acostuma-te à lama que te espera!
O homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.Se alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!(Augusto dos Anjos)