“Nenhum mal atingirá o justo”

(Mestre Eckhart, 1260-1328)

“Ao justo nada acontece de mal, mas os ímpios estão cheios de infelicidade”, disse Salomão em Provérbios 12, 21.

Pudera! Vemos sempre e ao redor a injustiça prevalecendo. É necessário um laço de fé para aceitarmos que o justo e o bom predominarão. Embora, a infelicidade habite os ímpios, sim, mesmo que tentem dissimulá-la, e, os justos conseguem dormir.

Para entendermos a justiça como favorável aos bons e justos é necessária uma visão mais larga de liberdade – no campo da fé – que não se resuma a esta vida. Uma fé que não teme o martírio.

Algo como o que supostamente teria falado Santa Cecília ao seu algoz, o prefeito Almáquio:

“Não renegaremos nunca o santíssimo nome que conhecemos. Não podemos! Para nós, é impossível. Preferimos morrer na liberdade suprema a viver na desgraça e no desamparo. E o que vos tortura, a vós que em vão vos esforçais por obrigar-nos a mentir, é precisamente esta verdade que proclamamos.”

Ela, cujo crime foi ter optado pela castidade – mesmo casada – e defender a fé cristã, pagou com a vida: foi condenada a morrer sufocada pela fumaça superaquecida numa sala de banhos; como após um dia não sofrera nenhum dano, foi decapitada. O carrasco, inepto ou perturbado, errou os três golpes autorizados. Ela caiu prostrada com o pescoço meio decepado, mas sobreviveu por mais três dias, em sofrimento indescritível.

Com ela também foram executados seu marido, Valeriano, seu cunhado, Tibúrcio, e um oficial do exército romano, Máximo, que se declarara cristão após testemunhar a firmeza da fé deles.

É uma fé para poucos, anunciada por Paulo: “Os judeus pedem sinais, e os gregos andam em busca de sabedoria, nós, porém, anunciamos Cristo crucificado, que para os judeus é escândalo, para os gentios é loucura …” (I Cor 1, 22-23)

É uma fé que implica no abandono deste mundo, que não a aceita. O cristianismo, entretanto, tem essa extensão, a eternidade.

Mestre Eckhart, monge beneditino que escapou da Inquisição porque morreu dias antes de sua provável condenação, dizia que há três formas de aflição que afetam o homem:

“Uma nasce dos danos aos bens externos, outra dos danos que atingem seus parentes e amigos, e a terceira, dos danos advindos à sua própria pessoa, na desestima, na desgraça, nos sofrimentos corporais e nas aflições do coração.”

Para ele, “a Bondade engendra-se, e tudo o que ela é, no Bom: o Ser, o Saber, o Amar e o Operar ela os derrama todos juntos no Bom.”

E, “a fonte de todo sofrimento está em não te converteres para Deus somente.”

Convenhamos, não é fácil.

A mim, parece mais um estímulo à resignação a respeito dos males do mundo (operados pelos outros), ao consentimento de arbitrariedades e abnegação tola.

Não quero dizer que os valores que tiram o planeta do eixo façam sentido, mas que neste processo destruidor e dominador não devemos ser coniventes, complacentes, omissos.

O homem perdeu o sentido de ligação, de integração com o que o cerca, e age autonomamente como se desconectado fosse. Essa é a nossa desgraça, o louvor ao individualismo e à supremacia da espécie.

Esse é o ponto, ao meu ver: não somos partes autônomas, não podemos enfatizar o individual – e toda maldade que daí decorre; compomos um todo, incompreensível mas presente.

Publicado por Dorgival Soares

Administrador de empresas, especializado em reestruturação e recuperação de negócios. Minha formação é centrada em finanças, mas atuo com foco nas pessoas.

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