
“Não espalharás notícias falsas, nem darás a mão ao ímpio para seres testemunhas de injustiça.
Não tomarás o partido da maioria para fazeres o mal, nem deporás num processo, inclinando-se para a maioria, para torcer o direito, nem serás parcial com o desvalido no seu processo.” (Êxodo 23 1-5)
A mentira é o argumento dos poderosos, pois normalmente não estão comprometidos com os anseios da população.
Os que leram Maquiavel e têm algum senso humanitário sabem que sua implícita política de dominação, do excesso, da desmedida, além da defesa da impostura, da mentira e da ilusão, são técnicas a favor do mal simbolizado pelo poder.
A leitura nos induz a ver Maquiavel como um defensor de déspotas, que transformava a traição em arte ou ciência, dando o nome de política à má-fé dos governantes. Essa ideia tornou-se uma prática e é com o que convivemos.
Alguns iluministas (como Diderot, no seu verbete Maquiavelismo) entendiam que seu livro mais famoso não se dirigia aos príncipes para ensiná-los a manter o poder, mas aos povos, para que ficassem atentos contra as ações dos governantes. Seria uma lição de cidadania, de autodefesa da população contra os tiranos.
“… leiam bem esta obra. Se por acaso algum dia vocês aceitarem ter um senhor, ele será como Maquiavel o descreve: eis a besta feroz à qual vocês estão se entregando.” (Diderot)
“O Príncipe” seria uma sátira, estilo literário no qual um autor, objetivando tornar os homens melhores pela virtude, tem prazer em ridicularizar o vício.
Maquiavel esforça-se em contradizer Platão, que argumentava que um povo seria feliz quando tivesse um rei filósofo – o mais sábio e o mais virtuoso.
Segundo Maquiavel, a “virtude” de um príncipe é se guiar pelas necessidades da política: o príncipe só será grande se for hipócrita, fizer promessas que não serão cumpridas, seduzir os súditos e antagonistas com reconciliações fingidas e lhes preparar emboscadas, e, esconder sob uma falsa precaução a falsidade, o perjúrio e a dissimulação.
A besta está no poder. Ainda vejo súditos “inocentes” querendo lhe dar mais poder, achando que eles, parte do povo, se beneficiariam desse autoritarismo. Desconhecem a história.
Sim, estamos entregues às feras: a nós mesmos. Num regime ditatorial, até a família se torna um país em miniatura, onde também cabem os traidores.
Quando uma nação enlouquece, os dementes se elevam.
“A base da sociedade é a justiça; o julgamento constitui a ordem da sociedade: ora o julgamento é a aplicação da justiça”, dizia Aristóteles.
Gostemos ou não, as decisões judiciais devem ser respeitadas, se não quisermos cair na anomia, na anarquia. Se não gostamos dos juízes, que reformulemos as regras para suas indicações.
Os déspotas dizem que têm uma missão existencial: nos guiar. Isso não me espanta; o que me causa furor é ver que há quem acredite. O final deles nem sempre é trágico; é como se o povo pagasse por seus delírios.
“Uns sonham que são eles que fazem a História, e assim é a vida, que ouve outra história.” (Wolfgang Rieberman)
Eles tentam nos convencer que liberdade é frescura. Mussolini doutrinava, que “o mundo do ‘faça o que quiser’ não existe; o único mundo possível é o ‘faça o que deve'”. E o que deve, naturalmente, era o prescrito pelo ditador.
O fascismo foi a grande escola para os tiranos, que enchia os olhos de seus títeres com forma e retirava-lhes todo o conteúdo. Vê-se isso, por exemplo, na sua arquitetura: uma monumentalidade externa e um vazio interno, sem outro fim além de servir de veículo de propaganda do poder político.
Para estes, a violência não é negativa por natureza; ela pode ser um meio para o rejuvenescimento da nação.
Recomendo a leitura de “M, O Filho do Século”, de Antonio Scurati. Alguém está lendo por você. Começarei a ler sua continuação: “M, O Homem da Providência”.
O Deus judaico-cristão já puniu a humanidade com o Dilúvio, mas lhe deu uma chance; aguarda-se o retorno de Jesus (a Parúsia). Teremos nova oportunidade?
Excelente texto! Anotado a sugestão de leitura. Li o principe com 15 anos, preciso revê-lo. Um grande abraço.
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