
Falei, outro dia, sobre Sêmele, a mãe de Dioniso (https://balaiocaotico.com/2022/03/31/o-que-o-mito-de-dioniso-nos-diz-hoje/).
Vimos que a curiosidade de Sêmele em saber se seu amante era realmente Zeus, terminou por fulminá-la.
Falaremos, agora, sobre o mito de Lohengrin, que virou uma das mais lindas óperas de Wagner, peça que chegou perto do ideal wagneriano de “obra de arte total”.
Elsa, a donzela em perigo que é salva por Lohengrin, não contém suas dúvidas e insiste em saber sua origem – ela havia prometido que não questionaria isso. O miraculoso personagem, então, desaparece. Esse é o drama. Vou tentar explicar.
Há quem veja paralelos entre o mito de Lohengrin e Beowulf, poema épico do século VIII, reinterpretado por J. R. R. Tolkien. No prólogo do poema conta-se a saga de Scyld, o órfão que, ainda criança, chegou sozinho às costas da Escandinávia, levado por um bote dentro do qual dormia desnudo.
Wagner, ao se entusiasmar para escrever a ópera, considerava que a trágica situação de Lohengrin, representava a solidão do artista, causada pela incompreensão dos que o circundam. Ele simbolizava a encarnação de um ser superior, milagroso, que tenta sem sucesso inserir-se no mundo comum. Algo parecido com Jesus.
Lohengrin seria o filho do buscador do Graal, Perceval (ou Parsifal), do ciclo artuariano, um personagem lendário (ou real?) que tem sua existência garantida num inefável mundo que a nenhum estranho cabe alcançar de fato: o interior de cada um de nós, onde se desenrola a busca individual em direção a um escopo inatingível. Alcançá-lo ou não é algo que pressupõe a medida de nossos esforços.
Essa história foi contada, originalmente, por Chrétien de Troyes (1135-1191) e, depois, por Wolfram von Eschenbach (1170-1220).
Como iniciei, Lohengrin é o mito do misterioso cavaleiro que chega em um barco conduzido por um cisne a fim de salvar uma donzela em perigo, desposa-a, e é obrigado, por uma força maior, a partir para sempre no dia em que ela, cheia de dúvidas, quebra sua promessa e lhe pergunta seu nome e sua origem.
Há muitas variantes dessa história, que justificaram a fama, por exemplo, das casas de Cleves e Bouillon.
Da casa de Cleves, ficou conhecida Ana de Cleves, a quarta esposa de Henrique VIII.
Wagner, durante a composição dessa ópera (1845-1848), passou por perrengues políticos, terminando exilado por 12 anos.
Vejam como os acontecimentos políticos são contagiosos: o prestigiado compositor se deixou levar pelo ideal republicano, após a monarquia de Luis Filipe ser derrubada em Paris. Isso foi no mesmo ano (1848) em que Marx e Engels publicaram o Manifesto do Partido Comunista.
Além disso, Mikhail Bakunin, um dos pais do Anarquismo, refugiou-se em Dresden (então, a capital do reino da Saxônia), onde morava Wagner. Tornaram-se amigos e Bakunin, claro, o impregnou com suas ideias.
A vida é uma caixinha de surpresas! O comodismo pode ser perturbado pelas ideias.
Curiosidade: Lohengrin foi a primeira ópera de Wagner encenada em São Paulo, em 1892.