
Para Homero, um herói se distinguia por sua “excelência” (aretê, em grego, também significando adaptação), tanto no campo de batalha como no uso da palavra.
Ulisses (Odisseu, em grego) é um desses heróis, a quem Homero lhe acrescenta a “astúcia”.
Ele sabia que a esperança (quando muito desejada) é irmã gêmea da imprevidência, daí apostou na ideia do Cavalo, que os troianos – cansados – procuraram ver como uma “desculpa” dos gregos, após uma retirada simulada.
As aventuras de Ulisses, no seu retorno a Ítaca, vocês sabem, estão na Odisseia, de Homero, que se divide, basicamente, em três partes: as viagens de Telêmaco, Ulisses no palácio de Alcino e, vingança de Ulisses.
Telêmaco era o filho de Ulisses, abandonado quando criança, e que, ainda jovem, sai em busca do pai – até para defender sua mãe, Penélope, do assédio de pretendentes, de olho na sua formosura e riqueza.
Penélope, nas obras de Homero (Ilíada e Odisseia), ao se portar com dignidade, se contrapõe à esposa infiel (Helena).
Na introdução (Rapsódia I), Zeus adverte: “Ah!, de que maneira os mortais censuram os deuses! A dar-lhes ouvidos, de nós provêm todos os males, quando afinal, por sua insensatez, e contra vontade do destino, são eles os autores de suas desgraças.”
Mentor, de quem logo falarei, aconselha Telêmaco algo assemelhado: “Antes de se lançar em algum perigo, é preciso antevê-lo, mas quando nele estamos, só resta desprezá-lo.”
A culpa não está, na maioria das vezes, nos outros, nem sequer nos céus; o risco nos cerca e devemos nos preparar e enfrentá-los; lamentos, reclamações, eximir-se de responsabilidade, de nada adiantam e a ninguém enganam.
Mentor ensinava que devemos temer os males antes que eles se apresentem, mas não quando eles chegam. O medo deve dar lugar à coragem.
A epopeia de Telêmaco foi retomada, no século XVII, por Fénelon (nome literário de François de Sallignac de la Mothe), quando tornou-se preceptor do neto de Luis XIV – que seria rei, mas faleceu antes.
Fénelon, também pedagogo, queria que a educação das crianças fosse voltada ao cotidiano, que os conceitos tivessem uma conotação prática. Daí, procurou contar a história do filho de um rei de forma ilustrativa para um futuro rei.
Ele ressalta, no seu didático livro “As aventuras de Telêmaco, filho de Ulisses”, a figura de Mentor, a quem Ulisses, ao partir para a aventura em Tróia, pedira que cuidasse das provisões básicas de sua família, de sua esposa e de seu filho.
A palavra Mentor deriva de “ménos“, que significa decisão, mente, vontade, espírito; quer dizer: “o que pensa, que reflete, que é prudente”.
Mais adiante, a palavra Mentor já aparecia em dicionários como “conselheiro, protetor, sábio.”
No seu relato, é a própria deusa Minerva (Palas Atena, na mitologia grega) que, disfarçada de Mentor, orienta Telêmaco na sua procura por Ulisses.
Como disse, o livro de Fénelon é recheado de “ensinamentos” para um futuro rei. Hoje, seria apontado como um ideólogo tentando “fazer a cabeça” de um menor. Selecionei alguns.
Mentor, ao perceber o deslumbramento de Telêmaco diante da deusa (ninfa) Calypso (que tentou manter Ulisses ao seu lado, e agora, tentaria ficar com seu filho), adverte-o:
“Pense, antes de estimar o luxo, em sustentar a reputação de seu pai e em vencer o destino que o persegue. (…)
A glória é devida apenas a um coração que sabe suportar a dor e esmaga o prazer com os pés. (…)
Tema mais essas enganadoras doçuras que os rochedos que quebraram seu navio. O naufrágio e a morte são menos funestos que os prazeres que atacam a virtude.
A juventude é presunçosa, ela espera tudo de si mesma: embora frágil, acredita poder tudo e nunca ter nada a temer, a juventude confia irrefletidamente e sem reservas.”
Adiante, Telêmaco reconhece: “Que desastrado fui em acreditar em mim mesmo em uma idade em que não se é suficientemente previdente para pensar o futuro, não se tem a experiência do passado e nem moderação para gerir o presente!”
Antes, chegaram a ser presos, no litoral da Sicília, por Acesto, originário de Tróia. Foram salvos da imolação graças à intervenção de Mentor, que preveniu Acesto de um iminente ataque de inimigos e liderou suas tropas.
Com Mentor à frente das tropas, liderando-as de fato, estas demonstraram um vigor do qual não se sentiam mais capazes.
Foram capturados, depois, por Sésostris, que reinava no Egito, e os confundiu com os inimigos fenícios.
Sésostris era um rei sábio, amado por seus súditos.
“Os reis que pensam apenas em ser temidos e em subjugar seus súditos, para torná-los mais submissos, são o flagelo da espécie humana.
Eles são temidos, como querem, mas são odiados, detestados e têm mais a temer de seus súditos de que estes têm a recear deles.
Feliz o povo que é dirigido por um sábio rei. Mais feliz ainda o rei que faz a alegria de tantos súditos, e que encontra a sua na virtude!
Eles retêm os homens por um laço cem vezes mais sólido que o do medo: o laço do amor.
Ele não é apenas acatado, mais ainda, seus súditos amam obedecê-lo. Ele reina em todos os corações, cada súdito, longe de querer se livrar dele, teme perdê-lo, e daria sua vida por ele.” (Mentor)
Mas, como todos os que lideram, tendem a ser cercados por puxa-sacos, bajuladores e falsos conselheiros, que sempre encontram um meio de enganá-los.
Desabafa Sésostris:
“Ah!, pensava eu, a que estão expostos os reis!
Mesmo os mais sábios são muitas vezes enganados. Homens astuciosos e interesseiros os cercam.
As pessoas de bem se afastam, pois não são nem obsequiosas nem aduladoras.
Os bons esperam ser procurados; os perversos, pelo contrário, são ousados, enganadores, apressam-se a se insinuar e a agradar, são hábeis na dissimulação, estão prontos a fazer qualquer coisa para contentar as paixões daquele que reina.
Ó, como um rei é infeliz por encontrar-se exposto aos artifícios dos perversos!
Ele estará perdido se não repelir a lisonja e se não apreciar aqueles que dizem a verdade sem hesitação.”
Mentor complementa: “Os príncipes que sempre foram felizes não são mais dignos de sê-lo, pois a indolência os corrompe, a arrogância os embriaga.”
E ele não conhecia nossa realidade!
Não vou me alongar. Há muitas outras lições no livro de Fénelon, que continuam atuais.