O que o mito de Telêmaco nos diz hoje?

(A despedida de Telêmaco e Eucharis, pintura de Jacques-Louis David)

Para Homero, um herói se distinguia por sua “excelência” (aretê, em grego, também significando adaptação), tanto no campo de batalha como no uso da palavra.

Ulisses (Odisseu, em grego) é um desses heróis, a quem Homero lhe acrescenta a “astúcia”.

Ele sabia que a esperança (quando muito desejada) é irmã gêmea da imprevidência, daí apostou na ideia do Cavalo, que os troianos – cansados – procuraram ver como uma “desculpa” dos gregos, após uma retirada simulada.

As aventuras de Ulisses, no seu retorno a Ítaca, vocês sabem, estão na Odisseia, de Homero, que se divide, basicamente, em três partes: as viagens de Telêmaco, Ulisses no palácio de Alcino e, vingança de Ulisses.

Telêmaco era o filho de Ulisses, abandonado quando criança, e que, ainda jovem, sai em busca do pai – até para defender sua mãe, Penélope, do assédio de pretendentes, de olho na sua formosura e riqueza.

Penélope, nas obras de Homero (Ilíada e Odisseia), ao se portar com dignidade, se contrapõe à esposa infiel (Helena).

Na introdução (Rapsódia I), Zeus adverte: “Ah!, de que maneira os mortais censuram os deuses! A dar-lhes ouvidos, de nós provêm todos os males, quando afinal, por sua insensatez, e contra vontade do destino, são eles os autores de suas desgraças.”

Mentor, de quem logo falarei, aconselha Telêmaco algo assemelhado: “Antes de se lançar em algum perigo, é preciso antevê-lo, mas quando nele estamos, só resta desprezá-lo.”

A culpa não está, na maioria das vezes, nos outros, nem sequer nos céus; o risco nos cerca e devemos nos preparar e enfrentá-los; lamentos, reclamações, eximir-se de responsabilidade, de nada adiantam e a ninguém enganam.

Mentor ensinava que devemos temer os males antes que eles se apresentem, mas não quando eles chegam. O medo deve dar lugar à coragem.

A epopeia de Telêmaco foi retomada, no século XVII, por Fénelon (nome literário de François de Sallignac de la Mothe), quando tornou-se preceptor do neto de Luis XIV – que seria rei, mas faleceu antes.

Fénelon, também pedagogo, queria que a educação das crianças fosse voltada ao cotidiano, que os conceitos tivessem uma conotação prática. Daí, procurou contar a história do filho de um rei de forma ilustrativa para um futuro rei.

Ele ressalta, no seu didático livro “As aventuras de Telêmaco, filho de Ulisses”, a figura de Mentor, a quem Ulisses, ao partir para a aventura em Tróia, pedira que cuidasse das provisões básicas de sua família, de sua esposa e de seu filho.

A palavra Mentor deriva de “ménos“, que significa decisão, mente, vontade, espírito; quer dizer: “o que pensa, que reflete, que é prudente”.

Mais adiante, a palavra Mentor já aparecia em dicionários como “conselheiro, protetor, sábio.”

No seu relato, é a própria deusa Minerva (Palas Atena, na mitologia grega) que, disfarçada de Mentor, orienta Telêmaco na sua procura por Ulisses.

Como disse, o livro de Fénelon é recheado de “ensinamentos” para um futuro rei. Hoje, seria apontado como um ideólogo tentando “fazer a cabeça” de um menor. Selecionei alguns.

Mentor, ao perceber o deslumbramento de Telêmaco diante da deusa (ninfa) Calypso (que tentou manter Ulisses ao seu lado, e agora, tentaria ficar com seu filho), adverte-o:

“Pense, antes de estimar o luxo, em sustentar a reputação de seu pai e em vencer o destino que o persegue. (…)

A glória é devida apenas a um coração que sabe suportar a dor e esmaga o prazer com os pés. (…)

Tema mais essas enganadoras doçuras que os rochedos que quebraram seu navio. O naufrágio e a morte são menos funestos que os prazeres que atacam a virtude.

A juventude é presunçosa, ela espera tudo de si mesma: embora frágil, acredita poder tudo e nunca ter nada a temer, a juventude confia irrefletidamente e sem reservas.”

Adiante, Telêmaco reconhece: “Que desastrado fui em acreditar em mim mesmo em uma idade em que não se é suficientemente previdente para pensar o futuro, não se tem a experiência do passado e nem moderação para gerir o presente!”

Antes, chegaram a ser presos, no litoral da Sicília, por Acesto, originário de Tróia. Foram salvos da imolação graças à intervenção de Mentor, que preveniu Acesto de um iminente ataque de inimigos e liderou suas tropas.

Com Mentor à frente das tropas, liderando-as de fato, estas demonstraram um vigor do qual não se sentiam mais capazes.

Foram capturados, depois, por Sésostris, que reinava no Egito, e os confundiu com os inimigos fenícios.

Sésostris era um rei sábio, amado por seus súditos.

“Os reis que pensam apenas em ser temidos e em subjugar seus súditos, para torná-los mais submissos, são o flagelo da espécie humana.

Eles são temidos, como querem, mas são odiados, detestados e têm mais a temer de seus súditos de que estes têm a recear deles.

Feliz o povo que é dirigido por um sábio rei. Mais feliz ainda o rei que faz a alegria de tantos súditos, e que encontra a sua na virtude!

Eles retêm os homens por um laço cem vezes mais sólido que o do medo: o laço do amor.

Ele não é apenas acatado, mais ainda, seus súditos amam obedecê-lo. Ele reina em todos os corações, cada súdito, longe de querer se livrar dele, teme perdê-lo, e daria sua vida por ele.” (Mentor)

Mas, como todos os que lideram, tendem a ser cercados por puxa-sacos, bajuladores e falsos conselheiros, que sempre encontram um meio de enganá-los.

Desabafa Sésostris:

“Ah!, pensava eu, a que estão expostos os reis!

Mesmo os mais sábios são muitas vezes enganados. Homens astuciosos e interesseiros os cercam.

As pessoas de bem se afastam, pois não são nem obsequiosas nem aduladoras.

Os bons esperam ser procurados; os perversos, pelo contrário, são ousados, enganadores, apressam-se a se insinuar e a agradar, são hábeis na dissimulação, estão prontos a fazer qualquer coisa para contentar as paixões daquele que reina.

Ó, como um rei é infeliz por encontrar-se exposto aos artifícios dos perversos!

Ele estará perdido se não repelir a lisonja e se não apreciar aqueles que dizem a verdade sem hesitação.”

Mentor complementa: “Os príncipes que sempre foram felizes não são mais dignos de sê-lo, pois a indolência os corrompe, a arrogância os embriaga.”

E ele não conhecia nossa realidade!

Não vou me alongar. Há muitas outras lições no livro de Fénelon, que continuam atuais.

Publicado por Dorgival Soares

Administrador de empresas, especializado em reestruturação e recuperação de negócios. Minha formação é centrada em finanças, mas atuo com foco nas pessoas.

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