
Falei, noutro texto (https://balaiocaotico.com/2022/03/24/iliberalismo/), sobre o papel de Carl Schmitt na “fundação” teórica do Estado que depois reconheceríamos como nazista.
Ele acreditava num “Estado total, aquele para o qual tudo é político, pelo menos potencialmente. (…) os pontos extremos da grande política são aqueles momentos nos quais o inimigo é percebido com uma clareza concreta como inimigo. O político – o agrupamento da humanidade em amigos e inimigos – deriva sua legitimação da seriedade da questão do que é o certo. (…) toda teoria política legítima pressupõe que o homem é mau – um ser perigoso e dinâmico.”
Percebem o perigo desses conceitos? Tudo é político (amigos x inimigos), “portanto”, o Estado pode tudo, desde que seja o “certo”. Quem define o “certo”?
Enquanto em Hobbes o Estado pode exigir apenas uma obediência parcial (limitada pelo direito à vida), em Schmitt a unidade política pode exigir que seus membros estejam prontos para a morte.
Em Schmitt, trata-se da afirmação do político; em Hobbes, da afirmação da civilização.
Schmitt não estruturava sozinho o pensamento totalitário; havia também Leo Strauss (judeu!), Alfred Baeumler, Martin Heidegger e outros.
Schmitt afirma, em 1926, que “à democracia pertence, em primeiro lugar, necessariamente, a homogeneidade, e em segundo lugar – se preciso – a eliminação ou o aniquilamento do heterogêneo”.
A “democracia política”, como ele a concebe, acomoda-se perfeitamente à ditadura. E o heterogêneo era, principalmente, o judeu.
Em 1933, ele reforça seus argumentos: “O Direito alemão e o Estado alemão não repousam mais sobre uma vazia e formal ‘igualdade de todos diante da lei’ ou sobre a enganadora fala da ‘igualdade de tudo o que tem rosto humano’, mas sobre a natureza homogênea real e substancial de todo o povo alemão unitário em si e homogêneo.”
“O conflito é essencial à natureza e à compreensão de nós mesmos, pois sem o confronto – a possibilidade muito real de confronto mortal – nós não somos nada (somos niilistas)”, acreditava.
Insinuava que o liberalismo (democracia, no caso) seria hipócrita, pois “ele retrata a paz universal, afirma ser racional, procura não ferir, mas na realidade o liberalismo precisa erradicar toda oposição para alcançar seu objetivo.”
“Schmitt era um observador perspicaz e analista das fraquezas do constitucionalismo liberal e do cosmopolitismo liberal.
Mas pode haver pouca dúvida de que sua cura preferida acabou sendo infinitamente pior do que a doença” (The Stanford Encyclopedia of Philosophy)
A vida em sociedade seria uma luta eterna, uma arena, uma guerra eterna até o extermínio de todos os opositores. Estamos a caminho.
Noutro momento falarei sobre o papel de Heidegger na “filosofia” nazista.
Um comentário em “A obsessão pelo homogêneo, a “pureza””