
Uma filha, Anita Pequeno, tem mergulhado na complexa vida de André Rebouças, dentre seus estudos raciais. É dela essa reflexão poética:
Morrer no Atlântico
“Do alto daquele penhasco, para onde você olhava?
Para o céu? Para o mar?
Ou seus olhos estavam fechados e você olhava para si, tão imenso quanto ambos?
Sua morte reatualiza em mim as leituras sobre a ‘middle passage’*.
A mesma semântica perversa.
Como entender os trânsitos do seu corpo quando lembro do Atlântico como seu lugar derradeiro?
Esse oceano infinito me perturba na sua ambiguidade: tão belo e tão triste, tão vivo e tão morto.
Ele te levou à Europa para a realização de sonhos improváveis.
Te levou aos Estados Unidos, experiência dolorosamente incontornável para o teu autorreconhecimento.
Te levou para a África quando, mesmo cansado, você ainda sonhava.
Um dos seus últimos sonhos é dos que acho mais lindos:
você queria vestir todos os negros africanos.
Você sabia como aquela nudez era instrumentalizada para o fim de colocar aqueles corpos em um lugar de onde você lutou a vida toda para sair.
E não saiu.
Não tinha como não sucumbir, André.
Você, então, percorreu novamente o Atlântico, agora já tão desiludido que mergulhar nele soou como um descanso para o seu corpo fatalmente exausto.”
(*) Middle Passage: “Passagem do Meio” era como se chamava a viagem forçada de escravos africanos do Atlântico para o ‘Novo Mundo’. Era uma perna da rota comercial triangular que levava mercadorias (como facas, armas, munições, panos de algodão, ferramentas e pratos de latão) da Europa para a África; de lá, africanos para trabalhar como escravos nas Américas e, na volta, matérias-primas (açúcar, tabaco, arroz, algodão) para a Europa.