
Sri Aurobindo e Mahatma Gandhi foram contemporâneos, mas nunca se encontraram. Uma pena; teriam muito a discordar, pacificamente – e até concordar. Ambos “lutaram” pela independência da Índia, com métodos diferentes.
Os dois foram personagens importantes da história mundial: o “Sri” é uma forma respeitosa na linguagem coloquial ou um título de adoração para as divindades hinduístas; “Mahatma”, por sua vez, significa “grande alma”, ou venerável.
Gandhi foi influenciado, na sua política de Resistência Pacífica, por Tolstói, Thoreau, Ruskin, Rajchandra (poeta jainista), além dos quakers.
Tolstói argumentava que qualquer endosso à violência era anticristão. A resistência sem recorrer à violência forneceria um meio mais moral e convincente para se opor a um estado despótico do que as tentativas de revolta armada, pois esta apenas dava uma desculpa para os governantes agirem ainda mais opressivamente.
Gandhi carregava, portanto, uma visão também inspirada no cristianismo. Ele fundiu a não resistência cristã com uma tradição indiana de não matar (ahimsa) – já que todos os seres vivos carregam uma centelha da energia espiritual divina -, dando-lhe uma nova dimensão política em sua noção de satyagraha (“insistir pela verdade”).
Aurobindo projetava a Índia como uma “pátria-mãe”, associada à deusa-mãe hindu (Prithivi Mata), o que não agradava aos muçulmanos na Índia. Já a pregação de Gandhi, enfatizando a “Verdade”, tinha apelo emocional para pessoas de ambas as religiões. Mas, Aurobindo não acreditava nessa possibilidade:
“Você pode viver amigavelmente com uma religião cujo princípio é a tolerância. Mas como é possível viver pacificamente com uma religião cujo princípio é ‘não vou tolerar você’? Como você vai se unir com essas pessoas? Certamente a unidade hindu-muçulmana não pode ser alcançada porque os muçulmanos continuarão convertendo hindus enquanto os hindus não converterão nenhum maometano. Você não pode construir uma unidade em tal base.”
Há várias outras divergências entre as visões e atitudes desses dois personagens. Felizmente; isso é riqueza.
Reproduzo, a seguir, um trecho dos Upanishads, que inspirava seus corações:
“… Levanta teus olhos em direção ao Sol.
Ele está lá nesse maravilhoso coração de vida e luz e esplendor.
Observa à noite as inúmeras constelações cintilando como outras tantas fogueiras solenes do Eterno no silêncio ilimitado, que não é nenhum vazio mas pulsa com a presença de uma única existência calma e tremenda.
Olha lá Orion com sua espada e cinto brilhando como brilhou aos antepassados Arianos há dez mil anos atrás, no começo da era Ariana; Sirius no seu esplendor, Lyra percorrendo bilhões de milhas no oceano do espaço.
Lembra-te que estes mundos inumeráveis, a maior parte deles mais poderosos que o nosso próprio, estão girando com velocidade indescritível ao aceno desse Ancião dos Dias, a quem ninguém, exceto Ele, conhece, e contudo são milhões de vezes mais antigos que teu Himalaia, mais firme que as raízes de tuas colinas e assim permanecerão até que Ele, à sua mercê, sacuda-os como folhas murchas da eterna árvore do Universo.
Imagina a perpetuidade do Tempo, considera a incomensurabilidade do Espaço; e então lembra-te que, quando estes mundos ainda não existiam, Ele era ainda o Mesmo.
Observa que além de Lyra Ele está, e no longínquo Espaço onde as estrelas do Cruzeiro do Sul não podem ser vistas, ainda assim Ele lá está.
E então volta à terra e considera quem é este Ele.
Ele está bem perto de ti.
Repara naquele homem idoso que passa perto de ti, abatido e curvado, apoiado em seu bastão?
Imaginas tu que é Deus quem está passando?
Há uma criança rindo e correndo ao sol. Podes tu ouvi-lo nesse riso?
Não, Ele está ainda mais próximo de ti. Ele está em ti, Ele é tu mesmo.
És tu quem ardes lá longe, a milhares de milhas de distância, nas infinitas extensões do Espaço, és tu que caminhas com passos confiantes sobre os turbulentos vagalhões do mar etérico.
És tu quem colocaste as estrelas em seus lugares e teceste o colar de sóis, não com mãos, mas por este Yoga, esta Vontade silenciosa, impessoal e inativa, que te colocou hoje aqui, ouvindo a ti mesmo em mim.
Olha para cima, oh filho do Yoga antigo e não sejas mais medroso e cético; não temas, não duvides, não lamentes, porque em teu aparente corpo está Aquele que pode criar e destruir mundos com um sopro.” (Upanishads)
Segundo Aurobindo, “Toda vida é Yoga. Este Yoga significa não somente a realização de Deus, mas uma completa consagração e mudança das vidas interiores e exteriores, até que a natureza humana transformada possa manifestar uma consciência divina e tornar-se parte do Trabalho Divino.”