O Estado é só um estorvo?

(Mariana Mazzucato)

Para a revista The Economist, arauto do liberalismo, os governos deveriam se ater ao básico: escolas melhores “para uma força de trabalho qualificada”, regras claras e igualdade de condições para empresas de todo os tipos. O resto deve ficar para os “revolucionários”, os inventores de garagem, os empreendedores “inovativos”.

Será? É isso que é o melhor para o país tirar o pé da lama do atraso tecnológico?

Na minha opinião, essa ideia de focar as escolas na formação de força de trabalho para “geração de riqueza” – e consequente manutenção do bolsão de desempregados e subempregos para manter baixa a remuneração do trabalho – é discriminatória. Por trás está o preconceito que considera que o conhecimento das áreas de Humanas não serve para nada; seria um depósito de incompetentes e vagabundos que não conseguiram se habilitar às matérias STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática) ou às da área de Saúde.

Acho que é pacífico que as regras, principalmente as fiscais, devem ser equânimes, sem privilégios (subsídios) para setores econômicos ou apadrinhados, embora alguns programas de estímulo (através de financiamentos) possam ser direcionados – em caráter temporário, definido pelo tamanho da empresa e seu propósito.

Porém, creditar o processo de inovação apenas aos “gênios de garagem”, é ignorar os fatos.

Segundo Mariana Mazzucato, as agências do setor público nos EUA fizeram investimentos arriscados na internet e em elementos cruciais por trás das “estrelas” da revolução da informação, como Google e Apple.

O iPhone, por exemplo, deve seu sucesso, primordialmente, aos investimentos governamentais na infraestrutura da própria internet, na tela sensível ao toque e no aplicativo ativado por voz.

O que seria do desenvolvimento das tecnologias de energia limpa sem os investimentos dos governos chinês, alemão, dinamarquês e outros? Também, o gás de xisto não sairia do solo americano sem o investimento estatal inicial.

O Estado deve exercer um papel no direcionamento estratégico do desenvolvimento, através do estímulo à inovação. Entretanto, na contramão dos países desenvolvidos, o Brasil registra contínua retração do dispêndio público em P&D em relação ao PIB desde 2015.

(Fonte: Revista Pesquisa Fapesp)

Infelizmente, nossos políticos não aparentam ter compromissos com o futuro do país. Temos condições privilegiadas para participarmos do ciclo de desenvolvimento da transição verde, do ponto de vista energético e de biodiversidade e, não vemos políticas públicas para esse protagonismo.

O Brasil é o país do susto, do improviso; expectador do sucesso alheio.

O país carece de integração entre a academia e as empresas (apesar da queda nos investimentos em pesquisa, a produção científica tem crescido!), além da falta de planejamento de longo prazo, de investimentos em infraestrutura e em energias renováveis e biocombustíveis, entre outros.

Essa visão de longo prazo requer o alinhamento dos investimentos em pesquisas com as políticas econômica, educacional, digital, industrial, agrícola e ambiental, reforçando-se mutuamente. E, tudo coerente com o compromisso de desenvolvimento sustentável.

Defender um papel ativo do Governo nesse direcionamento não significa permitir que o Estado se imiscua nas nossas vidas pessoal, cultural e política.

A riqueza deve ser distribuída enquanto é produzida; nem antes, como quer a esquerda (embora seja necessária uma correção de distorções históricas); nem depois, como pregam os liberais. Cabe ao Estado agir politicamente para desencantar o crescimento e que ele seja de caráter distributivo, evitando-se a concentração nas mãos dos contratantes e rentistas. Incentivar a criação e não a extração de valor.

Sobre a geração de riqueza, fala-se geralmente da importância de dois atores: as empresas e o Estado. Não se fala dos trabalhadores. Dessa forma, esconde-se de onde a riqueza vem e também sua distribuição.

Cada país tem suas peculiaridades: possivelmente as trilhas dos sucessos econômicos do Japão, China e Coréia do Sul não são replicáveis na nossa cultura.

Adriana Nunes Ferreira e Mariano Laplane contam que na Coréia do Sul, por exemplo, o processo se deu de forma coercitiva e muito intervencionista: após fazer as reformas agrária e da educação e a privatização das estatais, o Estado vedou a entrada do capital estrangeiro, concedeu subsídios aos grupos nacionais e orientou os ciclos de investimentos, mas também fixou metas de exportação, reprimiu sindicatos e por décadas dificultou que os excedentes fossem direcionados ao consumo de luxo, às aplicações financeiras ou à exploração imobiliária.

Um problema básico no Brasil é a falta de confiança nos governos. Falta-lhes autoridade moral. Os políticos em geral não são “sérios” e não têm o respeito da sociedade.

Mazzucato, numa entrevista sobre o Brasil, em 2015, foi questionada sobre a política de “escolha de vencedores” adotada pelo governo petista. Respondeu:

“… Você tem que fazer escolhas, deve estruturar agências governamentais para que elas façam essas escolhas, tenham expertise em áreas tecnológicas, e que também ocorram os processos que toda a inovação requer.

Quando você escolhe, está empurrando a fronteira do mercado, não só a fronteira tecnológica, mas até mesmo as discussões sobre estilo de vida. (…)

Essas escolhas devem dar o ritmo e mudar muitos setores. Isso é ser ‘mission-oriented‘. É diferente de escolher setores prioritários.

Quando não há um Estado confiante, é o setor privado que define as fronteiras.”

Sobre as taxas de juros e investimentos: “Pensar que se vai conseguir investidores apenas reduzindo as taxas não funciona. Talvez só no curto prazo. O ‘espírito animal’ empresarial é direcionado para onde as oportunidades futuras estão. O que guia os investimentos das empresas não é o lucro corrente ou a comparação das taxas de juros, mas a percepção do futuro”.

Publicado por Dorgival Soares

Administrador de empresas, especializado em reestruturação e recuperação de negócios. Minha formação é centrada em finanças, mas atuo com foco nas pessoas.

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