
Em 1922 começava a modernidade. Aqui, com a Semana de Arte Moderna. Na Europa, com o lançamento de Ulisses, de James Joyce e, com o poema Terra Devastada, de T. S. Eliot.
Foi quando a linguagem se rebelou contra a tirania do tema e do personagem, e se tornou protagonista por mérito próprio, diz Kevin Jackson.
Sobre Joyce não falarei, não consigo absorvê-lo, tragá-lo. Deixarei o desafio para meu colega Fábio Adiron.
Eliot disse antecipadamente, em 1929: “Precisamos de saber, não de informação”. Como veria a atual sede de “conteúdo”, essa praga que nos desvia de nós mesmos, ao confundirmos “cultura” com acumulação?
Os que o elegeram epítome da modernidade ficavam escandalizados com sua paixão por Dante, Virgílio, São João da Cruz e outros atemporais! O tempo, para ele, era o “pantempo“, como definido por Stephen Hawking: fusão do passado, presente e futuro.
Joyce e Eliot foram impulsionados, salvos do anonimato, por Ezra Pound.
Nada a ver com modernidade, mas em 1922 os fascistas de Benito Mussolini tomaram o controle da Itália. Detalhe: Pound era um entusiasmado admirador de Mussolini.
O poema de Eliot, “Burnt Norton” (um castelo consumido pelo fogo no século 17), reflete suas leituras de, entre outros, Eclesiastes, Kierkegaard e Santo Agostinho.
Burnt Norton (trechos)
“O tempo presente e o tempo passado
Estão ambos talvez presentes no tempo futuro
E o tempo futuro contido no tempo passado.
Se todo tempo é eternamente presente
Todo tempo é irredimível.
O que poderia ter sido é uma abstração
Que permanece, perpétua possibilidade,
Num mundo apenas de especulação.
O que poderia ter sido e o que foi
Convergem para um só fim, que é sempre presente.
Ecoam passos na memória
Ao longo das galerias que não percorremos
Em direção à porta que jamais abrimos
Para o roseiral. Assim ecoam minhas palavras
Em tua lembrança.
Mas com que fim
Perturbam elas a poeira sobre uma taça de pétalas
Não sei. (…)” (T. S. Eliot, tradução de Ivan Junqueira)
Eliot estudou Filosofia em Harvard e foi influenciado por George Santayana, para quem “O mundo é uma caricatura perpétua de si mesmo; e a cada momento ele é a derrisão e a contradição do que pretende ser.”
Os Homens Ocos
“Nós somos os homens ocos
Os homens empalhados
Uns nos outros amparados
O elmo cheio de nada. Ai de nós!
Nossas vozes dessecadas,
Quando juntos sussurramos,
São quietas e inexpressas
Como o vento na relva seca
Ou pés de ratos sobre cacos
Em nossa adega evaporada
Fôrma sem forma, sombra sem cor,
Força paralisada, gesto sem vigor;
Aqueles que atravessaram
De olhos retos, para o outro reino da morte
Nos recordam – se o fazem – não como violentas
Almas danadas, mas apenas
Como os homens ocos
Os homens empalhados (…)
(T. S. Eliot, tradução de Ivan Junqueira)