
“Se as mulheres são melhores do que os homens não poderia dizer. Mas posso dizer que certamente não são piores.” Esta frase é atribuída a Golda Meir. No entanto, elas foram e ainda são discriminadas nos espaços político, econômico e cultural.
Admiro a rebeldia dos que não se aceitam subjugar por conta de seu sexo ou gênero, cor da pele, origem, classe social, inaptidão física etc.
Toda discriminação traduz opressão e a tentativa de preservação de privilégios.
Como não admirar a determinação de pessoas como as irmãs Grimke (Sarah e Angelina) que, em 1830, se tornaram líderes pela luta abolicionista, pelos direitos das mulheres e pelo sufrágio universal, na hostil Carolina do Sul? Isso, antes do impressionante Frederick Douglass. Afinal, a escravidão teve início com homens escravizando mulheres.
Também, aquelas que se dispuseram a escrever sobre o processo de anulação histórica das mulheres, como Anne Firor Scott e Gerda Lerner, por exemplo.
Simone de Beauvoir constatava que as mulheres não têm passado, não têm história; é necessário que pesquisadores resgatem esse absurdo.
A austríaca Gerda Lerner, que morreu em 2013, aos 92 anos, ao chegar aos Estados Unidos, (após sobreviver a uma prisão nazista) começou a estudar e debater a história de dominação masculina e de exclusão das mulheres. Em 1986 escreveu “A Criação do Patriarcado – História da Opressão das Mulheres pelos Homens”, do qual resumo alguns tópicos:
- A apropriação pelos homens da capacidade sexual e reprodutiva das mulheres ocorreu antes da formação da propriedade privada e da sociedade de classes. A mercantilização das mulheres é a fundação da propriedade privada.
- Os estados arcaicos eram organizados na forma do patriarcado.
- Os homens aprenderam a exercer dominação e a hierarquia sobre outras pessoas praticando com mulheres do próprio grupo.
- As deusas poderosas são destronadas e substituídas por um deus masculino dominante; a Deusa-Mãe é transformada na esposa ou amante do chefe masculino.
- O surgimento do monoteísmo judaico e depois judaico-cristão transforma-se em ataque a cultos de várias deusas da fertilidade. A sexualidade feminina que não for para procriar fica associada ao pecado e ao mal.
- A desvalorização simbólica das mulheres (“o único acesso das mulheres a Deus passa a ser na sua função de mãe”) se consolida com Aristóteles, entre outros, cuja filosofia pressupõe que as mulheres seriam incompletas e defeituosas.
Sobre o processo de destituição das deusas, Barbara G. Walker diz:
“Já que dar à luz era a única marca verdadeira de divindade na crença primitiva, os primeiros deuses a reivindicar qualquer tipo de supremacia tiveram que reivindicar também a capacidade de dar à luz. De fato, a usurpação do poder feminino de dar à luz parece ter sido a marca distintiva dos primeiros deuses.
Sem vaginas, muitos deuses davam à luz de suas bocas.”
Alguns dos contorcionismos e exageros de imaginação necessários:
Os sacerdotes de Ra alegaram que seu deus deu à luz o primeiro casal de sua boca.
O deus Prajapati (“senhor da criação e protetor”) aprendeu a dar à luz criaturas por sua boca; mas antes que pudesse fazer isso, teve que fazer sacrifícios a um poder mais antigo e superior: a Deusa Svaha, Senhora dos Sacrifícios.
Um deus chamado Sukra (semente) nasceu do pênis de Shiva, depois de viver na sua barriga por cem anos.
Brahma teria surgido da primitiva Yoni, a Deusa Padma (“Lotus”), ou Vac, o Grande Útero, a Rainha, a Primeira, a Maior de Todas as Divindades.
Os brâmanes, entretanto, tentaram afirmar que a Mãe de Todos os Deuses nasceu do corpo de Brahma, embora ela também fosse a mãe de Brahma.
Os gregos fingiam que Zeus deu à luz a Atena de sua cabeça. Mas antes que ele pudesse dar à luz Atena, ele teve que engolir sua verdadeira mãe, Metis (Sabedoria), que estava grávida dela na época.
Zeus também deu à luz Dionísio de sua coxa; mas, novamente, a verdadeira mãe era a deusa-lua Selene, a quem Zeus matou durante a gravidez.
Hermes (como Condutor de Almas) tirou o feto de seis meses do ventre de Selene e o costurou na coxa de Zeus para continuar sua gestação.
Vai por aí.
Como sempre um grande artigo, de tema inusitado e grande aprendizado.
“a Mãe de Todos os Deuses nasceu do corpo de Brahma, embora ela também fosse a mãe de Brahma” fez com que eu me lembrasse que na tradição judaico cristã nós temos o pai e o filho também sendo a mesma entidade (e ainda com o espírito santo junto). Uma demonstração de como uma “religião” apropria-se de elementos culturais já existem e os transforma ao seu modo, (no caso) “machista” de ser.
CurtirCurtir