Como o neoliberalismo vê o povo

“A democracia é apenas a substituição de alguns corruptos por muitos incompetentes”; “…é um sistema que faz com que nunca tenhamos um governo melhor do que merecemos”, dizia Bernard Shaw (que não viveu no Brasil).

Há pouco tempo um ministro criticou o fato de que houve um período em que “Era todo mundo indo para a Disneylândia, empregada doméstica indo para a Disneylândia, uma festa danada.”

Esse ministro é doutor pela Universidade de Chicago, um berço do neoliberalismo.

Esse e outros comentários similares não são idiossincrasias daquele ministro; é a forma de pensar o “social” na qual foi “instruído”.

Em 1967, durante a ditadura militar, foi criado o Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização) para substituir o método de alfabetização preconizado por Paulo Freire: este ensinava a ler e a refletir sobre a realidade – um perigo!

Os neoliberais têm uma visão restrita sobre democracia: ela deve ser elitista, “aristocrática”; não como pensava Abraham Lincoln (“o governo do povo, pelo povo, para o povo”).

Está mais para a ideia de Robert Dahl, que a via como uma poliarquia, referindo-se ao ordenamento institucional que prevê a formação de governos através de eleições competitivas e inclusivas, ainda que não se alcancem os ideais mais exigentes de soberania popular. 

“Soberania popular” mete medo nos neoliberais.

Friedrich von Hayek, Wilhelm Röpke, Louis Rougier, Walter Lippmann, Ludwig von Mises e outros defendem que a “mística democrática”, o reino da opinião ou a estupidez da massa representam o verdadeiro perigo para o liberalismo e que, portanto, é importante criar disposições institucionais suscetíveis de conter os efeitos perniciosos do dogma da soberania popular.

É permissível um forma limitada de democracia, elitista e respeitosa dos mais altos princípios da livre-escolha individual e da propriedade privada. Essa é a “democracia liberal”: uma “Demofobia“.

“Democracia é a forma de governo em que o povo imagina estar no poder.” (Drummond de Andrade)

Para os neoliberais, conservadores, é preciso conter o crescente poder das massas. Essas, alegam, não têm meios intelectuais para rejeitar os demagogos que lhes prometem maior prosperidade se aceitarem um Estado economicamente dirigista. Ou seja, se a democracia não for seriamente limitada, corre-se o risco de se ter um coletivismo destruidor de todas as liberdades e individualidades.

Nelson Rodrigues, um conservador, também pensava assim: “A maior desgraça da democracia é que ela traz à tona a força numérica dos idiotas, que são a maioria da humanidade.”

Certo e errado.

Com relação a se deixar levar por demagogos, essa não é uma característica exclusiva do povo analfabeto: tenho visto muitos doutores sendo atraídos por populistas – de direita ou de esquerda, o que, afinal, para eles, não importa.

Um Estado dirigista tem sido, há décadas, o paraíso para as elites que sabem como “dirigir” o Estado.

O pobre, escanteado nesses processos, não deseja “coletivismo” nem “comunismo”; quer ter sua pequena propriedade, sua casa, sua liberdade para gerar renda (emprego, normalmente), acesso à educação, à saúde e segurança.

O pobre deseja, apenas, cidadania. Quem realmente gosta dos favores estatais são empresários esclerosados, que não sabem o que é livre concorrência (internacional, principalmente). É só ver o tamanho, aqui, dos subsídios para as empresas e comparar com as misérias assistenciais para os desassistidos.

Para os neoliberais, quando a democracia quer dar voz à soberania popular, passa a ser um veneno para as “sociedades livres”, o que justificaria medidas fortes para se “restabelecer a liberdade”. Ou seja, vale a adoção de uma ditadura para se garantir a “liberdade”!

Liberdade da elite, claro.

Assim aconteceu aqui, em 1964, no Chile etc.

Os conservadores reclamam da existência do Foro de São Paulo, uma organização que reúne partidos políticos e organizações de esquerda, criada em 1990. Não falam da Sociedade Mont Pèlerin, fundada em 1947, que reúne economistas e políticos de diversos países e que se propõe a garantir os valores e princípios liberais.

Em 1981, por exemplo, membros da Mont Pèlerin se reuniram no Chile para saudar a “ordem” instaurada por Pinochet. Argumentavam que as reformas mais fundamentais (para as elites) só podem ser implementadas no quadro de regimes autoritários.

Por isso, entendi quando aquele ministro falou, advertindo a nação:

“Sejam responsáveis, pratiquem a democracia. Ou democracia é só quando o seu lado ganha? Quando o outro lado ganha, com 10 meses você já chama todo mundo para quebrar a rua? Que responsabilidade é essa? Não se assustem então se alguém pedir o AI-5.”

Resumindo: a doutrina neoliberal é uma teoria dos “limites institucionais” à vontade da soberania popular. Se o povo se tornar soberano – se isso não for “controlado” – há o perigo do “Estado total”, isto é, do Estado estender sua intervenção a todos os domínios da existência para satisfazer o tal povo.

Falso. O Estado já favorece aos grupos que o sustentam e, marginalizando-se o povo, concentra-se cada vez mais o poder (e a riqueza) nas mãos dos ungidos.

Publicado por Dorgival Soares

Administrador de empresas, especializado em reestruturação e recuperação de negócios. Minha formação é centrada em finanças, mas atuo com foco nas pessoas.

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