
Sempre admirei Rubem Alves.
No seu conto A Máquina do Tempo, diz que “O tempo é isto: o poder que faz com que coisas que existem deixem de existir para que outras, que não existiam, venham a existir. Se o tempo não tivesse passado eu continuaria a ser menino e vocês (referindo-se às netas) não existiriam. Vocês só existem porque eu envelheci.”
A vida é absurda, porque morremos – independentemente de méritos – diria Camus (que morreu num 4 de janeiro, há 62 anos, lembrou meu amigo Courtnay Guimarães).
A morte, convenhamos, é um assunto desagradável. Não sei se, antes de nascer, tomasse conhecimento dessa possibilidade – o nascimento – se aceitaria. Como o número de nascimentos é crescente, creio que as informações que nos repassam são auspiciosas. Ou, talvez, não nos sejam dadas opções. Devaneios.
A vida nos aprisiona num dilema: vale ou não a pena viver? Para Camus, “… muitas pessoas morrem por considerarem que a vida não merece ser vivida. Outros, vejo que se fazem paradoxalmente matar pelas ideias ou pelas ilusões que lhes dão uma razão de viver – o que se chama uma razão de viver é ao mesmo tempo uma excelente razão de morrer.”
“Morrer, que me importa? (…) O diabo é deixar de viver” (Mário Quintana)
Morrer é um ponto cego no processo da vida. Mas, não um Buraco Negro, espero.
“Eram 6h. Minha filha me acordou. Ela tinha três anos. Fez-me então a pergunta que eu nunca imaginara: ‘Papai, quando você morrer, você vai sentir saudades?’ (Rubem Alves)
Ela, menina de três anos, sabia que a morte é onde mora a saudade – completa.
A vida é exigente, requer reverência, sem a qual ela fica desinteressante e desinteressada. Segundo Albert Schweitzer, a reverência pela vida é o supremo princípio ético do amor.
Entendo que há vida enquanto existe em nós a esperança da beleza e da alegria. Quando essa esperança some, é hora de irmos à outra etapa. Isso não está vinculado, necessariamente, à idade, mas à capacidade de sonhar por dias melhores.
Voltando a Rubem Alves que, a propósito, nasceu em Boa Esperança, MG, onde também nasceu Nelson Freire:
“Dona Clara era uma velhinha de 95 anos, lá em Minas. Vivia uma religiosidade mansa, sem culpas ou medos.
Na cama, cega, a filha lhe lia a Bíblia.
De repente, ela fez um gesto, interrompendo a leitura. O que ela tinha a dizer era infinitamente mais importante: ‘Minha filha, sei que minha hora está chegando … Mas, que pena! A vida é tão boa …'”
Achamos que uma boa vida é a que é útil; esse é o preço que a sociedade nos cobra, de alguma forma. Uma árvore ou um animal, entretanto, não vivem pelos usos que possam ter; vivem pela pura alegria de existir.
Mas, pensando bem, o prazer e a alegria moram na inutilidade. A velhice, normalmente, nos traz essa dádiva. Nada a provar, nada a ansiar, tudo a fluir, mesmo que em esgotamento.
Diotima, a sábia sacerdotisa que iniciou Sócrates nos segredos do amor, dizia-lhe que todos os homens estão grávidos de Beleza. Mais cedo ou mais tarde esta Beleza quererá nascer.
Os calvinistas, entretanto (não exclusivamente), acreditam que somos, por natureza, totalmente depravados. Em nós não haveria nem um tiquinho de bondade. Triste história teve esses teólogos.
Essas pessoas vivem do massacre psicológico dos demais, apelando para forças que dizem representar. O ressentimento, a maldade travestida de bondade, a inveja e a pusilanimidade fazem desses “escolhidos” um tormento para os que amam a vida plena.
“Como a lagarta que procura as folhas mais bonitas para nelas colocar seus ovos, assim o sacerdote coloca suas maldições em nossas alegrias mais bonitas.” (William Blake)
(Trechos deste post foram extraídos de uma publicação que fiz há alguns anos)