
O futuro está na esquina, dobrando a esquina.
O Brasil é riquíssimo, senão não desperdiçaria todas as oportunidades que surgem.
Stefan Zweig veio três vezes ao Brasil. Na última, escolheu-o para estabelecer-se, fugindo da fúria nazista.
Em 1941, escreveu o simbólico “Brasil, País do Futuro”. Há boatos de que ele teria sido “estimulado” a encher nossa bola como uma forma de gratidão por nossa acolhida. O governo Vargas estava cheio de simpatizantes do regime de Hitler. Aliás, o Partido Nazista brasileiro teve vida sossegada entre 1928 e 1938. Em correspondência, após o casamento de seu filho com uma alemã, Vargas tratou Hitler como “grande e bom amigo”.
O livro é fruto de pesquisas e de observações pessoais, mas trai um traço idílico do país. Afinal, para um estrangeiro, há sempre o viés do que se quer ver, estereótipos – e era natural que Zweig quisesse ver algo diferente do que acontecia na Europa.
Embora tivesse visitado favelas no Rio, ido a festas em Recife e Salvador e passeado por São Paulo, não viu nossa realidade, mas um processo em curso de transformação: previu que haveria evolução tecnológica, fim das favelas … Viu beleza na miséria, riqueza no triste.
Essas impressões já haviam sido recolhidas na sua primeira viagem ao país, conforme se vê na carta que escreveu aos cunhados:
“Você não pode imaginar o que significa ver este país que ainda não foi estragado por turistas e tão interessante – hoje estive nas cabanas dos pobres que vivem aqui com praticamente nada (as bananas e mandiocas estão crescendo em volta) e as crianças se desenvolvem como se estivessem no Paraíso –, a casa inteira, desde o chão, lhes custou seis dólares e, por isso, são proprietários para sempre.
É uma boa lição ver como se pode viver simplesmente e, comparativamente, feliz – uma lição para todos nós que perdemos tudo e não somos felizes o bastante agora, ao pensar como viver então.”
Ele não está totalmente errado; o brasileiro é, coletivamente, acomodado, sinuoso como riacho; aceita as situações como “predestinação”, destino, “fazer o quê?”, “dá-se um jeito”, “vamos levando” … Embora os riachos causem enchentes, o brasileiro é manso … apesar de matar cotidianamente o que se mata em guerras civis. Somos o país da miséria violenta, porém cordata. Um país onde a corrupção, por exemplo, é só um jeito de ser, monopolizado pelos poderosos e mimetizado por todos.
Sua visão é um pouco do que preconizava Nietzsche: “Quem realmente quiser conhecer algo novo fará bem em receber essa novidade com todo o amor possível, e rapidamente desviar os olhos e esquecer tudo que nela pareça hostil, desagradável, falso … pois assim penetramos até o coração, até o centro motor da coisa nova – o que significa justamente conhecê-la.”
Alexandra Lucas Coelho, uma lisboeta, teve essa mesma leitura nas suas andanças por aqui: “Os cariocas têm de ganhar a vida como toda a gente, mas nunca a perdem por causa disso”.
Temos nossas válvulas de escape (válvulas de segurança social), como a religião e o carnaval. Este nos transfigura “nesse país impossível de tão-triste-mas-alegre”; aquela, garante a ordem social com a promessa de redenção pós-morte.
Entre eles, os políticos, os hábeis manipuladores das esperanças alheias: a bomba de sucção da riqueza gerada por todos – bombeada para poucos dos mesmos.
“Dentro de mim, bem no fundo, há reservas colossais de tempo, futuro, pós-futuro, pretérito.” (Drummond)
Sabemos que o futuro é uma ficção, não o levamos a sério. Nosso passado é um atoleiro; o futuro, uma miragem; o presente, uma eterna espera. Essa espera sequer é esperança, que requer o agir.
Talvez Millôr Fernandes tivesse razão ao dizer que “O Brasil tem um longo passado pela frente”. Não é à toa que construímos o Museu do Amanhã no Cais do Valongo, onde cerca de um milhão de escravos foram desembarcados, como lembra André Nardy.
Afinal, há futuro para o país do futuro? Sílvio Meira, acha que pode haver:
“Nossa nação tem futuro não porque o futuro dela parece com a Europa.
O Brasil tem futuro porque é grande. Tem futuro porque são 8,5 milhões de quilômetros quadrados. Porque são 211 milhões de habitantes.
Por ter o potencial de 211 milhões de pessoas.
Se as pessoas aprenderem qualquer coisa que tenha um valor, algum tipo de valor, no grande encontro global de contas – seja de filosofia, sociologia, economia, tecnologia digital…
Se tivéssemos 10 milhões de brasileiros que escrevessem software, hoje, e falassem inglês, certamente exportaríamos pelo menos US$ 100 bilhões em software para o mundo, por ano. Duas vezes e meia a exportação do complexo de soja em 2020. Sem derrubar uma só árvore.”
O problema está no condicionante “se”.
Segundo Mark Fisher, há, no mundo, um “lento cancelamento do futuro”, de um futuro prometido mas não entregue, da involução no lugar da progressão.
Alex Hochuli pega o tema para falar que está ocorrendo uma “Brasilianização” do mundo:
“A involução do Ocidente encontra sua imagem refletida no país original do futuro, a nação condenada para sempre a ser o país do futuro, aquele que nunca chega ao seu destino: o Brasil.
A brasilianização do mundo é o nosso encontro com um futuro negado, e no qual essa frustração se tornou constitutiva de nossa realidade social.”
O texto está aqui: https://americanaffairsjournal.org/2021/05/the-brazilianization-of-the-world/
De Gaulle disse, ao ser provocado: “O Brasil é o país do futuro, e o será por longo tempo”.
Nosso passado, alicerce do futuro, aparece em suas dimensões de mito e de neurose, nas palavras de Francisco Bosco:
“Enquanto neurose, passado estrutural, é a formação perversa da sociedade brasileira, empresa periférica do capitalismo, que produziu uma sociedade que se desaveio consigo própria, fruto da exploração mais que da igualdade. É o Brasil herdeiro do trauma escravista, com sua exorbitante concentração de renda, seus negros encarcerados, seu patrimonialismo, sua extensa gama de injustiças.
Enquanto mito, passado permanente, é o Brasil alegre, sem grandes tabus cristãos do corpo.
Um mito não é uma mentira, e sim uma autoimagem de que um povo se serve como referência identitária.
Hoje tendemos a ver o mito como mais que um desejo, uma salvação.”