
“Fazer magia é organizar o caos”, ouvi na série The Witcher. Faz sentido, embora o caos seja autônomo. Organizá-lo significa entender seus padrões. Equilíbrio e controle não funciona, se o grau de entropia for alto.
O Calvin, num cartum, dizia que era um gênio, mas um gênio incompreendido. Incompreendido porque ninguém achava que ele era um gênio.
Assim era Hyman Minsky (1919-1996), no seu tempo. Ele não se impressionou com o monetarismo e a fulgurante econometria – que pretendia transformar a economia numa “ciência”. Percebeu que as equações matemáticas não podem responder por alterações estruturais cruciais e significativas ou por mudanças nos padrões comportamentais.
Voltarei a falar sobre Minsky; introduzo-o apenas para falar sobre as trajetórias que o capitalismo desenvolve, seus pulos e transformações que surpreendem as escolas econômicas: dos capitalismos agrário, industrial, financeiro, do conhecimento e, talvez, do midiático.
Os socialistas do século XIX e início do XX viam o capitalismo como o inimigo a ser abatido ou superado. Acho que confundiram meios com fins.
O vigor do capitalismo está na suposta independência econômica, a liberdade de empreender, calcada na propriedade privada.
Mas, um desvalido tem liberdade econômica? Como um despossuído pode empreender se, em muitas situações, sequer, consegue vender sua força de trabalho?
Isso não é “causado” pelo capitalismo, mas pelas forças que o dominam e guiam: o poder político.
Como pode um analfabeto ou pouco preparado dar-se bem, prosperar, por mais “mérito” que tenha? As portas estão fechadas ou são muito estreitas.
Rosa Luxemburgo criticou corajosamente a posição de Edward Bernstein, que estava influenciando o Partido Socialdemocrata Alemão e que tinha a esperança de que houvesse outra alternativa para a conquista do socialismo que não fosse a revolucionária. Era um “revisionista” das ideias de Marx.
Bernstein dizia que o desenvolvimento do capitalismo não levaria à monopolização crescente da economia, mas à sua democratização, com o aumento do número de proprietários via introdução das sociedades por ações e cooperativas.
Para ele, portanto, o foco deveria ser a luta parlamentar e sindical, a busca por melhores condições de trabalho e salário, não a revolução. “O movimento é tudo e o fim nada significa”, dizia.
Luxemburgo criticava principalmente esta inversão de ordem; não se deveria transformar a reforma social, de simples meio de luta de classes, em seu fim.
Atualmente, não faz sentido falar-se em classes, proletariado, burgueses. O capitalismo apropriou-se de tudo; essa é uma das suas principais “qualidades”: apropriar-se.
Claro que a monopolização, e a extrema concentração dos meios de produção e riqueza, só avançam. Os outros ficam na franja, à margem, contentes, pulando para tentar ascender ao ilusório topo, o sucesso – isca que canaliza as energias e domestica os excluídos.
A liberdade – precária, no tamanho suficiente para desmobilizar – é um mantra do sistema. A opressão não é visível, como a explícita de alguns regimes.
Mas, a questão não é o sistema econômico. Claro que um sistema descentralizado funciona melhor que um totalmente planificado. A questão da propriedade também não é relevante, ao meu ver. O que importa é a possibilidade de acesso, o usufruto. A economia compartilhada pode nos mostrar algo.
O problema, sim, é o poder político, os senhores que tomam decisões. No comunismo leninista – acentuado no stalinismo – os dirigentes partidários escolhem os que terão quinhão maior, normalmente os próximos aos “burocratas” do poder.
Rosa Luxemburgo logo percebeu isso ao visitar a União Soviética pós-revolução: “A vida dos sovietes esmoreceu, tornando-se uma vida aparente, na qual apenas a burocracia subsiste como elemento ativo. O grupo dominante na União Soviética se autointitulou de ‘autoridade imaculada’, a qual exige fé cega e sufoca qualquer tentativa de crítica”.
Por outro lado, os regimes “democráticos” são habilmente manipulados pelos reais detentores do poder político – a elite econômica do dia. E o fazem, vejam só, através de nossos “representantes políticos”. Tudo sutilmente.
Quando acaba a sutileza, evidencia-se o terror: os regimes totalitários. De direita ou de esquerda.
Rosa Luxemburgo lembrava do pavor que os sindicatos – um tipo de representação política específica para questões laborais – sentiram na Alemanha quando houve a Revolução de 1905 na Rússia: “Para os burocratas sindicais, qualquer ação mais radical das massas levaria à desorganização dos sindicatos e ao fim da sua hegemonia”.
Ou seja, os interesses pessoais tendem a prevalecer sobre os sociais. Sempre?