
“Hoje sorriem-me a terra e os céus;
sinto no fundo da minha alma o sol;
eu hoje vi-a…, vi-a e ela olhou-me…
Creio hoje em Deus!”(Gustavo Adolfo Bécquer, 1836-1870)
Há um lema repetido por Ana Primavesi: “Solo sadio, planta sadia, ser humano sadio”. Sua preocupação era manter a “terra viva”, para que ela possa gerar mais vida: no solo vivo, a vida é transbordante.
Um solo vivo consegue mobilizar os nutrientes que uma planta necessita e essa planta fornece os nutrientes que um ser humano precisa. Sua recomendação era pela prática agrícola ecológica. Uma visão de interdependência, rede, complexidade, integração, evolução, adaptabilidade, e do todo em todos.
Seus didáticos livros ensinam como conhecer o solo e sua saúde a partir de sinais às vezes indesejados e, portanto, ignorados.
“O homem somente terá saúde se os alimentos possuírem energia vital. Os alimentos somente possuem energia vital se as plantas forem saudáveis. As plantas somente serão saudáveis se o solo for saudável”. (Ana Primavesi)
Um professor indiano lhe perguntou, certa vez: “Você acredita que a violência urbana tem suas origens na decadência do solo?”. Após reflexão, sua resposta foi “sim”!
Baseou-se na lógica “solo decadente > plantas deficientes > valor biológico e mineral baixo” e no fato de que as pessoas que consomem essas plantas terminam por adoecer. Sem falar dos alimentos ultraprocessados!
Cita o psiquiatra Juarez Callegaro, que mostrou que chumbo, cádmio e outros metais tóxicos estão em excesso nas pessoas violentas. Baixo nível de zinco e alto de cobre, torna o cobre tóxico e ativa a violência. Manganês alterado correlaciona-se com epilepsia, depressão, esquizofrenia e violência. Etc.
Tratamos o solo, em geral, como cuidamos do nosso corpo, a posteriori, pelos sintomas e doenças. Remediamos. Cuidamos das doenças e deficiências ao invés da saúde.
No caso do solo, tendemos a ignorar a riqueza da microvida, que o compõe: há cerca de 20 milhões de fungos e bactérias por cada cm3 de terra.
Da mesma forma, estudos recentes chamam a atenção para o nosso microbioma, com os trilhões de bactérias, vírus e fungos que habitam o trato intestinal e, seu papel na manutenção de nossa saúde, inclusive na qualidade do processo de envelhecimento.
Mas, pés no chão. O foco é o solo. Vejam o caso da floresta Amazônica: seu solo é, quimicamente, extremamente pobre. Mas, a reciclagem da matéria orgânica, mais a inter-relação com a microvida e a incrível diversidade de plantas (raramente existem mais que três árvores da mesma espécie por hectare) a transformaram na floresta mais frondosa do mundo.
A planta necessita de 46 nutrientes (17 essenciais, quatro benéficos, dois que podem interferir, três úteis para algumas espécies e mais 20 se a planta for alimento para animais).
No caso das áreas desmatadas, com plantação de monoculturas sem uso de matéria orgânica, como funciona? Aplicam-se os três conhecidos nutrientes quimicamente refinados (NPK), após correção do pH do solo para neutro, por meio da calagem e, com o uso de herbicidas e defensivos químicos (agrotóxicos), mata-se a maior parte da microvida.
Dos cerca de 46 nutrientes, a planta recebe três, basicamente. Resultado: mais pragas e doenças atacam as plantas. Mais defensivos. Como decorrência, temos alimentos de baixo valor biológico e poluídos por agrotóxicos e metais pesados aumentando as doenças nos seres humanos. E no solo!
A calagem intensa faz com que os agregados do solo se desagreguem, tornando o solo adensado.
Deixando o solo limpo, exposto às chuvas, ele se compacta ou adensa, e, a insolação direta pode aquecer até 74ºC, na superfície. A água da chuva escorre da superfície compactada causando erosão-enchentes-seca. O ciclo passa a ser enchentes e secas. O final é a desertificação dos solos.
A fome é, em parte (só em parte), consequência disso. No Brasil, em 1950 não havia famintos (alimentação abaixo de 1.800 calorias por dia). No ano passado, cerca de 116 milhões de brasileiros estavam com algum grau de insegurança alimentar — leve, moderado ou grave, segundo a Rede Penssan.
Está em curso um processo de pauperização dos solos, mundo afora. Há o risco de uma crise alimentar. Isso não é malthusianismo; é o reflexo do trato cotidiano e imediatista com o solo. Nem os ricos estão protegidos; os pobres lutarão por comida.
É preciso tomarmos consciência e evitarmos a degradação contínua do solo. Ao contrário: é necessário que regeneremos as áreas mortas e evitemos que as atuais morram.
Isso não é assunto de países pobres, apenas: cerca de 60 a 70% dos solos da União Europeia não estão em bom estado e encontram-se sujeitos a processos de degradação.
No Brasil existem aproximadamente 200 milhões de hectares de pastagens nativas ou implantadas, dos quais estima-se que cerca de 130 milhões estejam degradados e necessitem de alguma intervenção para reverter o estado em que se encontram, conforme a Embrapa.
Nosso Semiárido (boa parte do Nordeste e o norte de Minas Gerais) corre maior risco, em função da mudança do clima e ao avanço do desmatamento.
Há iniciativas meritórias que merecem nosso reconhecimento:
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-59157682
Outras notícias: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-58154146