
“Mesmo quando minhas mãos estão ocupadas em torturar, esganar, trucidar, o meu coração fecha os olhos e sinceramente chora.” (Chico Buarque e Ruy Guerra)
Celestino era um capitão de navio negreiro, experimentado em viagens entre o continente africano e o Brasil. Matar negros era um ofício. De uma vez, com sacos de cal despejados no porão sufocara uma revolta de negros – sufocara os negros, aliás.
Contava: “… degolei gargantas e durmo o sono dos justos. (…) Matei dez mulheres, a uma delas cortei os pés. Matei centenas de homens com as minhas mãos e elas não me caíram. Matei os sonhos de um milhar de outros.”
No crepúsculo da vida, voltou à casa que fora dos pais. Então, dedica-se a cuidar com amor e afinco do próprio jardim. As plantas, as flores, são seu refúgio.
O abominável capitão se rende à beleza das plantas. O mal parece ser apagado pelo bem. A ambiguidade, nossas facetas e a anulação da humanidade em nome do que precisa ser feito.
Esse é o tema do romance “A Visão das Plantas”, da angolana Djaimilia Pereira de Almeida.
As plantas, silenciosamente, nos ensinam sobre o existir. Sobre o que de fato é relevante nesse nosso cadinho de transformação. Nem sempre a transformação é integral. No caso de Celestino, foi só comportamental, ocupacional: para ele, não há culpa, mas uma indiferença mordaz. O corpo é capaz de produzir o próprio narcótico.
A grande maioria de nós opta por permanecer como semente. Mas, enquanto tal, uma nova vida é impossível.
Temos, também, fortalecido, o conceito de individualidade. Vivemos, antes de tudo, para nós.
Nós estamos perdendo o contato direto com a natureza e, principalmente com a alegria de viver das plantas.
“Olhe com profundidade para a natureza, você entenderá tudo melhor.” (Einstein)
Com as plantas aprendemos, por exemplo, que dividir é multiplicar. “Em relação aos animais, na grande maioria dos casos, dividir significa destruir; para os vegetais, dividir é multiplicar”, escreveu Jean-Henri Fabre (1823-1913).
Uma planta, segundo estudiosos, não parece “um indivíduo”. Desde o século 18 começou a circular a ideia de que as plantas – as árvores, em particular – poderiam ser consideradas verdadeiras colônias, diz Stefano Mancuso.
Goethe (1749-1832), também um botânico brilhante, escreveu em 1790: “Os ramos laterais que se originam dos nós de uma planta podem ser consideradas plantas jovens solteiras que se prendem ao corpo da mãe, da mesma forma que esta se fixa ao solo”.
Darwin, reforçou o que seu avô (Erasmus Darwin) havia dito: “Parece surpreendente que indivíduos diferentes possam estar unidos entre si; no entanto, as árvores são uma confirmação disso; na verdade, suas gemas devem ser consideradas plantas individuais.”
Nós, animais, representamos apenas 0,3% da biomassa do planeta, enquanto as plantas representam 85%. Apesar do nosso ímpeto destruidor.
“Assim como ocorre na floresta, onde cada árvore está ligada a todas as outras por uma rede subterrânea de raízes que as une formando um superorganismo, as plantas constituem a nervura, o fundamento, o mapa (ou planta) com base nos quais se constrói o mundo em que vivemos.” (Stefano Mancuso)
Por que ignoramos isso e as tratamos como se existissem unicamente para nosso bem-estar?