A vida importa

Cristiana Lôbo, jornalista da Globo, morre aos 63 anos
(Cristiana Lôbo, 1958-2021)

Já fui muito revoltado. Já tive momentos de indignação que me levariam a atitudes extremas, se tivesse oportunidade.

Como nada fiz nesse sentido, fui rendido pela idade. Vi que meu papel era ser anônimo; só mais um entre quase 8 bilhões.

Percebi que minha vida é algo que importa, mas só para mim (e poucos afetados).

Nossa vida, vista de longe – ou objetivamente – é irrelevante, até insignificante.

Meu nascimento – ou estreia, se fosse baiano – foi acidental e a vida que me foi permitida até agora ainda não faz sentido e, pior, minha morte será … nada. Uma entre cerca de 60 milhões que morrerão no ano; talvez porque nasça o dobro – não sei até quando.

Não há, de fato, nenhuma centralidade na nossa existência, por mais que queiramos nos ver no centro de alguma coisa – sei lá, do universo.

Há os que apelam para a solução religiosa, que os torna – presumidamente – alvo do interesse de um ser supremo. Que bom!

O mundo seguirá, indiferente, à nossa morte. Que pena!

O que descobri é que somos contingentes e não importamos.

Nossa contingência é evidenciada pelo fato de que se nossos pais não tivessem se encontrado (assim como nossos avós, bisavós etc.) não estaríamos por aqui. Além do fato de que em apenas um ato sexual, pode haver 1,5 bilhão de espermatozoides!

É razoável dizer que estamos aqui – não por direito ou necessidade – por sorte, boa ou má.

Faço eco a Thomas Nagel:

“A ilusão natural de minha própria inevitabilidade se choca com o fato objetivo de que ‘quem’ existe e tem existido é radicalmente contingente e que minha própria existência em particular é uma das coisas mais ‘inessenciais’ do mundo.”

Não faço falta ao mundo e o aliviarei minimamente quando me recompor com ele.

Há, no entanto, pessoas cujas passagens dão um colorido especial. Um tom de entendimento, harmonia, grandeza.

Semana passada deixou-nos uma cantora, jovem, que não conhecia, mas que foi importante para muitos, deixando-lhes menos ‘sofrência’.

Hoje, foi a vez de Cristiana Lôbo, a quem admirava. Lamento. Há meses me perguntava sobre sua ausência. Não sabia que estava doente.

Pessoas como essas deixam amplas marcas. A gigantesca maioria, na qual me incluo, será ignorada.

Apesar da minha vida ser supérflua, talvez desnecessária (o mundo passaria muito bem sem a minha existência), ainda julgo que – do exíguo ponto de vista pessoal – eu importo.

Mesmo que afete aos poucos que me cercam, além da minha horta e 15 galinhas, terá valido a pena esse contágio de vida.

A vida se faz no pequeno. O todo é uma abstração.

Dizia Alvaro Moreyra (1888-1964):

“Cada um carrega o seu deserto.”

“De todas as artes, a vida ainda é a mais inteligente.

Ela é a fila da morte. Nada de cara amuada na fila.

Boa piada, a vida …”

Publicado por Dorgival Soares

Administrador de empresas, especializado em reestruturação e recuperação de negócios. Minha formação é centrada em finanças, mas atuo com foco nas pessoas.

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