Homofobia

(Brigitte, o último à direita, com colegas)

Atendi Brigitte ao balcão. Ele estava há um tempo na calçada esperando que os outros clientes saíssem, no frigorífico onde eu trabalhava.

Ele era o retrato da tristeza. Cabisbaixo, não olhava ninguém nos olhos. Ao andar, arrastava uma das pernas, resultado de um espancamento que seu irmão mais velho lhe aplicara, anos antes, quando se espalhou na cidade que Brigitte era gay.

Eu tinha cerca de 13 anos, um menino, mesmo assim ele não se sentia com autoridade para me olhar.

Perguntei: – Está tudo bem com você? A resposta foi: – Sim. Quero uma porção de asas de galeto (em Pernambuco, frango era galeto; frango, por outro lado, era gay).

Depois soube que ele, ao se dirigir ao centro da cidade (morava, com alguns colegas, na zona de meretrício, ou, simplesmente, Zona), fora agredido por um grupo de machões.

Ele sempre era vaiado, xingado, esculhambado por homens, mulheres e crianças – sempre, sempre, que saía da Zona. Até por quem o procurava à noite.

Ser intolerante era requisito para ser aceito socialmente como “normal”.

Alguns anos depois li Memórias Sentimentais de João Miramar, de Oswald de Andrade, que encontrei – escondido – na única biblioteca da cidade, e imaginei o reservado mundo de Brigitte.

Cito o episódio de número 16, ambientado, como todos, na São Paulo contemporânea da Primeira Guerra.

16. BUTANTÃ

Prima Nair que estava interna com as irmãs bochechudas Célia e Cotita noutro colégio mandou uma carta ao Pantico dizendo assim:

“Já sabes que estou na classe amarante? As meninas aqui não são tão maliciosas como no internato de Miss Piss.

Mas … nunca vi que espírito civilizado elas têm.

Pois como elas não têm moços para namorar elas namoram-se entre si.

Todas têm um namorado como elas dizem e é uma outra menina: uma faz o moço e outra a moça.

E quando elas se encontram, se beijam como noivos.

Por mais que não se queira ficar com elas, inconscientemente fica-se.

As meninas de agora não são como as de outro tempo.

Logo nascerão sabendo. Uma de seis anos não é inocente; já têm desde pequenas aqueles olharezinhos que mais tarde servirão para a malícia.

Eu só comecei saber a vida aos dez anos. Hoje em dia com sete já se sabe tudo!”

“João Miramar” foi publicado em 1924. E, apesar de Oswald ser muito polêmico, não está claro porque ele foi silenciado e sua obra minimizada.

Publicado por Dorgival Soares

Administrador de empresas, especializado em reestruturação e recuperação de negócios. Minha formação é centrada em finanças, mas atuo com foco nas pessoas.

Um comentário em “Homofobia

  1. O que “ofende” a moralidade mas “incendia” a alma, escondido em fachadas mal erguidas, e negados bem mais do que três vezes.
    “Assim caminha a humanidade”, desde tempos imemoriais.

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