
Há políticos que são movidos, genuinamente, pelo espírito público.
Sei que poucos acreditam nisso, afinal estamos cercados de exemplos de mau-caratismo, corruptos em vários graus, estelionatários, escroques … políticos.
Há exceções; há políticos que destoam da paisagem.
Há alguns meses, escrevi um texto reconhecendo o caráter eminentemente público de Marco Maciel, antes do seu falecimento em junho deste ano.
Agora, falo de Franco Montoro, um dos poucos que entrou na política para a dignificar, não para encontrar um emprego, mordomias ou status. Ele é uma das provas de que é possível ser político sem ser ladrão.
Ele tinha uma formação ímpar: licenciatura em Pedagogia, licenciatura e doutorado em Filosofia e, bacharelado e doutorado em Direito. Falava francês, italiano, espanhol, inglês; entendia o basco, grego, alemão, latim e um pouco de russo.
Montoro acreditava no poder da sinceridade e na força da conciliação e do diálogo, num país em que todos esperam soluções autoritárias. Estas parecem eficientes, porque são rápidas, absolutas, definitivas. Ele, ao contrário, ouvia as partes e ponderava antes de se decidir. Era um político que “perdia tempo” para ouvir os outros.
Na sua biografia (“Os Três Segredos”), escrita por José Hamilton Ribeiro, que serviu de base para este texto, fica claro porque ele se pautava por três princípios: trabalho, criatividade e coerência.
Ele foi governador de São Paulo entre 1983 e 1987. O primeiro governo democrático do estado após o golpe de 1964.
Montoro começou na política como Vereador pela cidade de São Paulo, em 1947, pelo Partido Democrático Cristão (PDC).
Sua escolha pelo PDC se deveu à conscientização da Igreja Católica de que algo de muito errado estava acontecendo.
Pio XI (papa até 1939) fez um mea-culpa: “O grande escândalo do século XX foi ter a Igreja perdido a classe operária”. Perdeu para o discurso totalitário do comunismo e do fascismo.
O papa começou, então, um movimento para mobilizar os fiéis para combaterem os sistemas que desprezavam a dignidade e os valores da pessoa humana, sobrepondo a eles as razões de governo e a ambição pelo poder.
Como sabem, essa vontade do poder do Estado esmagar as pessoas – com o apoio das próprias – continua presente e próxima.
O papa estimulava o “próprio povo de Deus” para que oferecesse propostas concretas baseadas no ideário cristão, sem que isso custasse o perecimento do Estado, a injustiça social, a penalização dos pequenos, fracos e pobres.
O lema era: “do meio pelo meio”, dos trabalhadores pelos trabalhadores, dos agricultores pelos agricultores …
Daí, criou a “Ação Católica“, movimento importante, destinado a estimular os cristãos a atuar no campo social para oferecer ao mundo uma opção além do capitalismo (com sua injustiça social) e do comunismo (com sua opressora ausência de liberdade).
Montoro viveu essa época e foi influenciado. Tanto que em sua tese de doutoramento em Filosofia, defendia o pensamento de Emmanuel Mounier (que estimulava a “Democracia Cristã”) e a filosofia de São Tomás de Aquino que, de fato, o homem não tem direito absoluto sobre os bens da natureza, mas apenas um direito ao uso desses bens. Pode dispor deles, se está em seu direito, mas deve sempre ter em vista que o fim último da propriedade é servir ao homem. Dessa forma, não se pode usar os bens de forma arbitrária e abusiva.
Ora, nessa época, o governo queimava o café para manter seu preço elevado – e proteger os cafeicultores.
Com a redução do comércio mundial, em função da crise econômica de 1929, a quebradeira foi geral. A dívida do país cresceu, e nossas exportações despencaram. Havia tanto café sobrando que cogitaram usá-lo como lenha para locomotivas.
Até 1945, mais de 70 milhões de sacas de café foram queimadas no país — quantidade suficiente para garantir o consumo mundial do produto durante três anos.
Quando estava concluindo seu curso de Direito, Montoro entrou na JUC – Juventude Universitária Católica, o braço universitário da Ação Católica.
Na época, ou se entregava ao comunismo, ou ao nazismo (Integralismo, aqui).
O Integralismo, então, tinha pessoas influentes, como Miguel Reale, Santiago Dantas (!) … até dom Hélder Câmara!
Noel Rosa e Braguinha fizeram o “Samba da Boa Vontade”, que satirizava o governo federal e seu lema “É melhor apertar agora para que a fartura venha depois”:
“Comparo o meu Brasil
A uma criança perdulária
Que anda sem vintém
Mas tem a mãe que é milionária
E que jurou, batendo pé,
Que iremos à Europa
Num aterro de café
(Nisto eu sempre tive fé)”