
Aleksandr Luria (1902-1977), neurologista russo, via os pensamentos simbólico e narrativo como fundadores do processo de hominização. Oliver Sacks (1933-2015) era um de seus seguidores.
Luria foi um dos criadores da psicologia cultural-histórica, que enfatiza o papel mediador da cultura, particularmente da linguagem, no desenvolvimento de funções mentais superiores.
Criar narrativas, dizia, significou e significa para o homem atribuir nexos e sentidos, transformando os fatos captados por sua percepção em símbolos, ou seja, em encadeamentos, correntes, associações de alguns ou de muitos elos sígnicos.
Esse procedimento (narrativização) seria o gerador de um universo de sentidos, um universo simbólico.
Edgar Morin o denomina “segunda existência”; Ivan Bystrina chama de “segunda realidade” e, Yuri Lotman lhe dá o nome de “semiosfera”, o espaço de encontros entre diferentes culturas.
O sociólogo francês Émile Durkheim (1858-1917) estudou muitos assuntos, como os sistemas religiosos, o suicídio, a família, a solidariedade … e, a pedagogia. É considerado o “pai da Sociologia”.
Para ele, a sociedade não é um grupo de pessoas que vive numa mesma localidade. Sociedade “é essencialmente um conjunto de ideias, crenças, sentimentos de todos os tipos, que são realizados por indivíduos“.
O produto da fusão das consciências individuais é a consciência coletiva, o conjunto cultural das ideias morais e normativas. A sociedade se expressa através dessa cultura.
Na pedagogia, via cada aluno como dois seres amalgamados: o individual, com seus estados mentais, objeto da educação e, o sistema de ideias que carregam, que exprime a sociedade de que fazem parte.
Essa segunda parte é o ser social, cultural. Sem ela, caminha-se para a anomia, quando “a sociedade afrouxa seus laços e permite a desorganização individual, ou ausência dos liames e normas da solidariedade”.
A educação, em resumo, não é atribuição do sistema escolar, exclusivamente; ela se fundamenta no tecido social. Se este é deteriorado (com extremas desigualdades, injustiças sociais, polarizações, discriminações etc.), o processo educacional não se completa.
As consciências individuais são formadas pela sociedade, repetia. E, “a educação é uma socialização da jovem geração pela geração adulta”, pois “o homem, mais do que formador da sociedade, é um produto dela”. Ênfase em “socialização”.
O indivíduo excluído do social não é cidadão, torna-se marginal (às vezes literalmente, nas periferias) na formulação dos destinos de sua sociedade.
Os indígenas têm o que nos dizer. Nós, que fomos levados pelo nascente capitalismo às escolas preparadoras da força de trabalho e “educados” a respeitar a conformidade social.
“Sob regime tribal, a característica essencial da educação reside no fato de ser difusa e administrada por todos os elementos do clã.
Não há mestres determinados, nem inspetores especiais para a formação da juventude: esses papéis são desempenhados por todos os anciãos e pelo conjunto das gerações anteriores.” (Durkheim)
Vale trazer aos que ainda não conhecem, a Carta dos Índios da Seis Nações, conforme texto de Carlos Brandão:
“Há muitos anos, nos EUA, Virginia e Maryland assinaram um tratado de paz com os Índios das Seis Nações.
Ora, como as promessas e os símbolos da educação sempre foram muito adequados a momentos solenes como aquele, logo depois os seus governantes mandaram cartas aos índios para que enviassem alguns de seus jovens às escolas dos brancos.
Os chefes responderam agradecendo e recusando.
A carta acabou conhecida porque alguns anos mais tarde Benjamim Franklin adotou o costume de divulgá-la:
‘Nós estamos convencidos, portanto, que os senhores desejam o bem para nós e agradecemos de todo o coração.
Mas aqueles que são sábios reconhecem que diferentes nações têm concepções diferentes das coisas e, sendo assim, os senhores não ficarão ofendidos ao saber que a vossa idéia de educação não é a mesma que a nossa.
… Muitos dos nossos bravos guerreiros foram formados nas escolas do Norte e aprenderam toda a vossa ciência.
Mas, quando eles voltaram para nós, eles eram maus corredores, ignorantes da vida da floresta e incapazes de suportarem o frio e a fome.
Não sabiam como caçar o veado, matar o inimigo e construir uma cabana, e falavam a nossa língua muito mal.
Eles eram, portanto, totalmente inúteis. Não serviam como guerreiros, como caçadores ou como conselheiros.
Ficamos extremamente agradecidos pela vossa oferta e, embora não possamos aceitá-la, para mostrar a nossa gratidão oferecemos aos nobres senhores de Virginia que nos enviem alguns dos seus jovens, que lhes ensinaremos tudo o que sabemos e faremos, deles, homens.'”