
Segundo Lucrécio, a filosofia está “destinada a libertar o homem do medo da morte e dos deuses”. Poucos levaram isso tão a sério como Giordano Bruno.
Giordano Bruno não se contentava com pouco; não era parcimonioso quanto às ideias.
Sua vida representava “uma rejeição ousada de todas as crenças católicas, baseadas na mera autoridade”, disse Hegel.
Em 17 de fevereiro de 1600, Bruno, acusado de blasfêmia, conduta imoral e heresia em matéria de teologia dogmática e cosmologia, foi arrastado à praça pública.
Os padres, zelosos e temorosos, colocaram uma máscara de ferro em seu rosto para evitar que falasse e, quem sabe, sensibilizasse parte da anônima e ignorante plateia.
Ele foi queimado vivo na fogueira, os olhos por trás da máscara espiando a multidão, que via no ato a confirmação de suas verdades, as emprenhadas pela igreja.
O que ele fizera? Recapitulemos – só as ideias sobre o cosmos.
Em 1543, Copérnico (1473-1543), o genial astrônomo polonês, publicou um livro (na Alemanha) que demonstrava, pela primeira vez, com argumentos matemáticos e geométricos, que a Terra girava em torno do Sol.
A cosmologia geocêntrica, assentada por Ptolomeu (90-168) há cerca de 14 séculos, era muito adequada à teologia cristã, pois punha a humanidade no centro dos acontecimentos.
A revelação de Copérnico, entretanto, ficou restrita a poucos letrados curiosos. Foi necessário o livro “La cena de le ceneri (O jantar de cinzas)”, de Giordano Bruno, de 1584, e a epifania de Kepler (1595), para o assunto ficar incômodo. Depois, vieram as descobertas de Galileu, no início de 1610.
A cosmologia de Bruno destruía as correntes do geocentrismo, livrava a Terra da falsa imobilidade e ia além.
Bruno elogiara Copérnico, mas ainda o criticava, pois ele deixara o universo fechado, num cosmos circunscrito à esfera cristalina das estrelas fixas. Seu gesto se inscrevia no interior de uma cosmologia tradicional, fechada e limitada. Afinal, Copérnico era cônego da Igreja Católica.
Bruno se ressentia que Copérnico não havia dado o passo decisivo que destruiria, de uma vez por todas, os limites e confins do universo.
Ele, Bruno, cuidou disso: desarraigou-se do geocentrismo e libertou a natureza e os seres vivos de um cosmos percebido como uma prisão estreita. Ele anuncia um universo infinito, sem centro, sem limites e, povoado por mundos inumeráveis. Ufa!
“… uma coisa é jogar com a geometria, outra coisa é verificar com a natureza.” (Giordano Bruno, criticando Copérnico)
Para Bruno, pensar uma “geometria” do infinito significa medir com conceitos que implicam a indeterminação, o caos, a imensidão, diz Nuccio Ordine.
