“Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços” (CDA)

Os 10 melhores poemas de Carlos Drummond de Andrade | Revista Bula
(Carlos Drummond de Andrade, 1902-1987)

SONETO DA PERDIDA ESPERANÇA

Perdi o bonde e a esperança.

Volto pálido para casa.

A rua é inútil e nenhum auto

passaria sobre meu corpo.

Vou subir a ladeira lenta

em que os caminhos se fundem.

Todos eles conduzem ao

princípio do drama e da flora.

Não sei se estou sofrendo

ou se é alguém que se diverte

por que não? na noite escassa

com um insolúvel flautim.

Entretanto há muito tempo

nós gritamos: sim! ao eterno.

CONGRESSO INTERNACIONAL DO MEDO

Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio, porque este não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte.
Depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas

INSTANTE


Uma semente engravidava a tarde.
Era o dia nascendo, em vez da noite.
Perdia amor seu hálito covarde,
e a vida, corcel rubro, dava um coice,


mas tão delicioso, que a ferida
no peito transtornado, aceso em festa,
acordava, gravura enlouquecida,
sobre o tempo sem caule, uma promessa.


A manhã sempre-sempre, e dociastutos
eus caçadores a correr, e as presas
num feliz entregar-se, entre soluços.


E que mais, vida eterna, me planejas?
O que se desatou num só momento
não cabe no infinito, e é fuga e vento.

LEMBRANÇA DO MUNDO ANTIGO

(…)

As crianças olhavam para o céu: não era proibido.

A boca, o nariz, os olhos estavam abertos. Não havia perigo.

Os perigos que Clara temia eram a gripe, o calor, os insetos.

Clara tinha medo de perder o bonde das 11 horas,

esperava cartas que custavam a chegar,

nem sempre podia usar vestido novo. Mas passeava no jardim, pela manhã!!!

Havia jardins, havia manhãs naquele tempo!!!

ÁPORO

Um inseto cava

cava sem alarme

perfurando a terra

sem achar escape.

Que fazer, exausto,

em país bloqueado,

enlace de noite

raiz e minério?

Eis que o labirinto

(oh razão, mistério)

presto se desata:

em verde, sozinha,

antieuclidiana,

uma orquídea forma-se.

DESCOBERTA

O dente morde a fruta envenenada

a fruta morde o dente envenenado

o veneno morde a fruta e morde o dente

o dente, se mordendo, já descobre

a polpa deliciosíssima do nada.

Publicado por Dorgival Soares

Administrador de empresas, especializado em reestruturação e recuperação de negócios. Minha formação é centrada em finanças, mas atuo com foco nas pessoas.

Um comentário em ““Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços” (CDA)

  1. SONETO DA PERDIDA ESPERANÇA

    Perdi o bonde e a esperança.

    Volto pálido para casa.

    A rua é inútil e nenhum auto

    passaria sobre meu corpo.

    Vou subir a ladeira lenta

    em que os caminhos se fundem.

    Todos eles conduzem ao

    princípio do drama e da flora.

    Não sei se estou sofrendo

    ou se é alguém que se diverte

    por que não? na noite escassa

    com um insolúvel flautim.

    Entretanto há muito tempo

    nós gritamos: sim! ao eterno

    Quem pode entender a mente e os devaneios de Carlos Drummond de Andrade?

    Fala aqui o poeta da desilusão de um amor 💘 / paixão não correspondido.

    No segundo ato fala do medo da perda do amor.
    “Depois morreremos de medo
    e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas” .

    Que mente , que devaneio.

    Segue o poeta falando do medo , quando na verdade ele mistura paixão com 😍💘,amor.

    Cientificamente não se tinha descoberto a separação entre paixão e 💘amor.

    Hoje nós poetas já escrevemos em nossos devaneios poéticos , que paixão se difere do amor.
    Está aí o medo do poeta da paixão avassaladora .
    Está provado cientificamente que ela dura no máximo dois anos (lapso de tempo que nosso cérebro produz ocitocina e outros hormônios) dando lugar ao 💘amor.

    Parece que nós poetas não nascemos para o amor. Apesar dos poetas não falar de si.
    Porém, a história mostra os dissabores e “medos” dos poetas com relação a paixões e amores.

    Quem jamais entrou na mente brilhante 🌞de Carlos Drummond de Andrade?.

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