
Douglas Adams via o mundo com estranheza:
“O fato de vivermos no fundo de um profundo poço de potencial gravitacional, na superfície de um planeta coberto de gás que gira em torno de uma bola de fogo nuclear a 150 milhões de quilômetros de distância, e ainda pensarmos que isso é ‘normal’, é uma clara indicação de quão distorcidas tendem a ser as nossas perspectivas.”
A física quântica bagunçou nossas ‘sólidas crenças’ sobre o ‘nosso mundo’ e, ainda hoje, gera ressentimentos por nos tirar a segurança do concreto mundano.
Parece haver uma realidade mais sutil que a do materialismo simplista das partículas no espaço. A realidade parece ser feita mais de relações que de objetos.
Niels Bohr foi, de certa forma, o pai espiritual da teoria dos quanta. Incentivou Heisenberg e mediou o conflito deste com Schrödinger.
“Enquanto no âmbito da física clássica as interações entre um objeto e o aparelho de medida podem ser negligenciadas – ou, se necessário, podemos levá-las em conta e compensá-las -, na física quântica essa interação é uma parte inseparável do fenômeno.
Por isso, em princípio, a descrição não ambígua de um fenômeno quântico requer a inclusão da descrição de todos os aspectos relevantes do arranjo experimental.” (Bohr)
Nagarjuna, um filósofo budista indiano, intuiu que “não existem coisas que têm existência em si, independentemente de outra coisa.”
Isso tem tudo a ver com o aspecto relacional da mecânica quântica.
No seu livro “Versos fundamentais do caminho do meio” ele lança luz sobre uma questão que filósofos debatem constantemente: qual é a realidade primeira, o que está nas origens?
Buda anunciara a doutrina do meio: “quem quiser compreender a realidade em si e, com isso, o sofrimento intrínseco à sua existência deve abster-se não apenas do ‘não-ser’, mas também do ‘ser’. “
Esse é o “caminho do meio”, que Nagarjuna explicita. Para ele, a ausência de existência independente é “vacuidade”: as coisas são “vazias”; elas não têm realidade autônoma, existem em função de, graças a, em relação a; ou seja, da perspectiva de alguma outra coisa.
Isso refere-se a tudo o que chamamos de realidade, inclusive nós.
A realidade, aliás, seriam duas: a aparente (a convencional), com seus aspectos ilusórios e, a realidade última.
Só que, a realidade última, a essência, é ausência, vacuidade. Não existe.
Não teria sentido, segundo ele, buscar um substrato último. A interdependência exige que nos esqueçamos das essências autônomas.
Vejamos o que diz o físico Carlo Rovelli: “A longa busca da ‘substância última’ da física, que passou pela matéria, pelas moléculas, pelos átomos, campos, partículas elementares … naufragou na complexidade relacional da teoria quântica dos campos e da relatividade geral.”
No mês passado, escrevi sobre Alan Guth, que defende o “vazio quântico; para ele, o universo era simplesmente um estado de vazio que sofreu uma metamorfose.
Outro cientista, Guido Tonelli, também adota a hipótese de que tudo pode ter se originado a partir de uma flutuação quântica do vazio:
“O vazio é coisa viva, substância dinâmica e incessantemente mutável, repleta de potencialidades e de opostos.
Não é o nada; é, pelo contrário, um sistema transbordante de quantidades ilimitadas de matéria e antimatéria.” (Guido Tonelli)
Viajar por Universos complexos, através de pensamentos não limitados, é um privilégio que agrada, infelizmente, a muito poucos; a imensa maioria prefere a solidez das verdades absolutas.
Obrigado meu caríssimo Amigo por sua permanente rega, ela produz milagres desse lado do mundo.
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