
Hesíodo conta que Afrodite nasceu da espuma (Aphros, em grego) do mar gerada pelo sêmen de Urano, cujos testículos foram jogados ao mar de Chipre depois de ser castrado por seu filho Cronos.
Esse mito é interessante por sua similitude com a ideia de espuma quântica, de onde se supõe que surgiu todo o universo.
Na sua Teogonia, Hesíodo narra que: “Sim, bem primeiro nasceu Caos, depois também Terra (Gaia) de amplo seio, de todos sede irresvalável sempre …”
Caos, então, não tinha o significado difundido atualmente de “desordem”; originalmente significava “abismo”, a partir do grego “chaino“, abrir-se. Esta é a tradução que faz Paul Mazon, que entende “abismo” no mesmo sentido que Tártaro.
Abismo, por sua vez, do latim “abyssus“, significa “sem fundo”.
“O caos se torna uma negra garganta aberta, o abismo sem fundo, o vórtice tenebroso, o enorme vazio capaz de engolir e conter qualquer coisa”, no dizer de Guido Tonelli.
Vamos, agora, para a sucessora dos mitos, após a religião e a filosofia: a ciência.
Explicando: sabemos que a descoberta da radiação cósmica de fundo em micro-ondas, provinda de todas as direções, e a observação de que o universo tinha uma temperatura de poucos graus Kelvin (em torno de -270ºC), marcam o sucesso da teoria do Big Bang.
Mas, o Big Bang não explica muito sobre a origem do universo, ao contrário.
Se o universo nasceu de um ponto com uma concentração monstruosa de energia e massa – um sistema extremamente quente e denso que se expande desenfreadamente -, que fenômeno físico teria sido capaz de concentrar todo esse potencial naquele ponto, àquela “singularidade“?
“Cada ponto de cada um de nós coincidia com cada ponto de cada um dos outros em um único ponto, aquele onde todos estávamos” (Italo Calvino)
A ideia do Big Bang leva à do Big Crunch, a grande implosão.
“Sob certas condições, a expansão do universo pode ser desacelerada pela atração gravitacional que envolve matéria e energia, e até anulá-la completamente para, depois, dar origem a uma nova fase de contração. (…)
E aí estaria a singularidade que daria origem a um outro Big Bang, do qual nasceria um novo universo, elo de uma cadeia infinita de eventos de expansão e contração.” (Guido Tonelli)
Isso nos remete à ideia de “ciclos cósmicos” do hinduísmo, associada à doutrina das transmigrações, os diferentes nascimentos e renascimentos.
“Todo aquele que, na hora da morte, deixa seu corpo lembrando de Mim, estará a partir de então unido Comigo.” (Bhagavad-Gita)
Ou, como nos Evangelhos: “Jesus, lembra-te de mim quando vieres com teu reino. Ele respondeu: ‘Em verdade, eu te digo, hoje estarás comigo no Paraíso'”. (Lucas 23, 42-43)
É como se o próprio universo estivesse submetido ao Samsara, a roda da existência, que aprisiona os seres vivos nessa série de inúmeras existências.
A hipótese do Big Crunch – e do universo cíclico -, entretanto, perdem força no meio científico.
Dados recentes sinalizam que o universo não reverterá seu curso expansionista: a densidade média do universo não é suficiente para exceder o valor crítico além do qual a gravidade dominaria.
O universo está extremamente próximo da condição de total homogeneidade e isotropia. E, possivelmente, ele seria um sistema com energia total nula.
Ou seja, a energia positiva devida à massa e à energia presentes no universo e, a energia negativa devida ao campo gravitacional, se anulariam.
A energia total do sistema universo seria a mesma do sistema vazio.
Segundo Alan Guth, um defensor do “vazio quântico“, o universo era simplesmente um estado de vazio que sofreu uma metamorfose.
O vazio, porém, não pode ser confundido com o nada. O vazio como sistema físico é, sob alguns aspectos, o contrário do nada.
Para os físicos, o vazio é um sistema com energia nula. Significa que, ao se realizar um número muito elevado de medições, obtém-se zero como valor médio dos resultados; as medições dão valores flutuantes, positivos ou negativos, que se distribuem numa curva de valor médio nulo.
O princípio da incerteza também valeria para o vazio.
Essas flutuações quânticas do vazio podem assumir a forma de uma geração espontânea de duplas partícula/antipartícula.
“O vazio é coisa viva, substância dinâmica e incessantemente mutável, repleta de potencialidades e de opostos.
Não é o nada; é, pelo contrário, um sistema transbordante de quantidades ilimitadas de matéria e antimatéria.” (Guido Tonelli)
A hipótese é que tudo possa se originar de uma flutuação quântica do vazio.
“O vazio é o campo das potencialidades“, dizem os teóricos orientais.