
“O homem especula por baixo sobre seu semelhante. Aquele que se intitula político realista só tem por reais as baixezas humanas, única coisa que considera confiável: ele não trabalha com a persuasão, apenas com a força e a dissimulação.” (Robert Musil)
Queremos acreditar que os políticos são servidores públicos, que são funcionários da nação. Não queremos ver que são, na prática, funcionários do capital – quer público ou privado, ou ambos. A parte visível chega a R$ 5,7 bilhões; já a subterrânea …
Queremos crer que existe democracia, com algumas imperfeições. Mas, a regra é a imperfeição, com algum simulacro de democracia.
A política aparenta defender o interesse comum, porém é um exercício puro de poder. É o poder que importa, sob argumentos – sombras – do que seriam causas populares.
No caso do fascismo, essa máscara cai. O bem comum torna-se, explicitamente, migalhas do poder. Salvo para o círculo em torno do poderoso.
O fascismo, que floresce em várias partes do mundo – o Brasil faz parte do mundo – não se apresenta da mesma forma da sua origem, nos anos 1930, embora, seja fundamentalmente o mesmo.
O nazismo, por exemplo, aproveitou-se de uma mentalidade (que já era fascista) que vinha desde o início do século, que preparava a sociedade para ser disciplinada (espírito militar prussiano), obediente às concepções e ordens de marechais e empresários.
Por trás, sempre os interesses do capital e do mercado.
Atualmente, a sociedade é disciplinada pelo consumo e pelas normas de funcionamento da técnica. Os interesses continuam os mesmos.
Hoje, o fascismo não se envergonha em usar “meios democráticos” para chegar ao que importa: o poder, absoluto.
As manifestações de rua do início, agora são em rede. Às vezes, saem às ruas, uniformizadas, apenas para gerar conteúdo para as redes.
O importante, indispensável, entretanto, é o frenesi de mobilidade: “a mobilidade permanente é o instrumento de uma vontade que considera tudo, inclusive as consciências, como um material disponível para a realização de um projeto”, lembra Ugo Palheta.
A astúcia e o cinismo político atingem seu clímax no fascismo: a democracia é devassada e assolada com o maior descaramento. A mentira passa a ser a guia da verdade. Qualquer um pode ser o aliado de oportunidade ou o inimigo necessário que move o grupo de anencéfalos.
Na visão de Michaël Foessel, o fascismo – mesmo o original – rejeita a modernidade, naquilo que se traduz pelas promessas de liberdade, igualdade e emancipação.
Para Paul Valéry, a liberdade tornou-se uma palavra detestável; perdeu seu sentido em troca de “valor”. Valor monetário e liberdade de consumir, entenda-se. A igualdade é substituída pelo “egoísmo organizado” – a identidade de grupo. Emancipação, esquece.
“(…) acusar apenas Hitler e dizer que a besta está morta, o veneno desapareceu.
Pois sabemos bem que o veneno não desapareceu, que nós o trazemos todos no nosso coração e isso se sente na maneira pela qual as nações, os partidos e os indivíduos se olham ainda com um resto de cólera.
Sempre pensei que uma nação era solidária com seus traidores e seus heróis.
Mas uma civilização ocidental branca, em particular, é responsável tanto por seus êxitos como por suas perversões.” (Albert Camus)