“Crer em Deus é tomar os seus desejos pela realidade”

Ateísmo X Fé em Deus

Farei três textos abordando a fé. Num, darei voz a um ateu, André Comte-Sponville; depois, um fervoroso cristão, Pascal; e, finalmente, um que procurou manter-se equidistante, Montaigne. Pronto, desagradarei a todos.

Comecemos pelo ateu, Comte-Sponville. Ele é um filósofo materialista, mas não hedonista.

Um argumento usual pelos ateus é que “a fé não dá respostas, só impede perguntas”.

“Eu acho que nós todos somos seres propositados, nós precisamos que a nossa vida tenha propósito, tenha significado, que ela deve caminhar em alguma direção. Quando a gente não encontra isso, de certa forma a gente perde a razão de viver”, diz o físico Roberto Covolan.

Esse é o ponto central que Comte-Sponville contesta. Ele entende que não devemos levar em conta nossas esperanças, principalmente as após-morte. Nada prova que a verdade corresponde ao que se espera. A esperança não seria, portanto, um argumento.

Repete Ernest Renan (1823-1892), um seminarista que se tornou agnóstico: “É possível que a verdade seja triste”.

Para Comte-Sponville, a verdade é que tudo acaba com a morte.

“A religião é uma ilusão; pior, uma covardia e uma renegação” (Comte-Sponville)

Seria uma ilusão, conforme o entendimento que Freud dá a esta palavra, que não significa a mesma coisa que um erro; não é forçosamente um erro.

“Uma ilusão é um pensamento derivado dos desejos humanos.” (Freud)

Ter ilusões é crer verdadeiro o que se deseja, crer verdadeiro o que se espera. É tomar os seus desejos pela realidade.

“Que desejamos nós? Não morrer, ser amados.

E o que nos diz a religião? Que não morreremos, que somos amados para além de toda esperança.

Portanto, a religião é uma ilusão por ser um pensamento derivado não de um saber – pois é evidente que não há saber de Deus -, mas de nossos desejos!

É, portanto, uma ilusão: crer em Deus é tomar os seus desejos pela realidade.” (Comte-Sponville)

Continua: “ser religioso é considerar que a verdade já é conhecida, porque foi ‘revelada’. É covardia, então, por submeter a liberdade de seu espírito a um corpo de doutrinas já construído, independentemente de todo exame.”

Seria também uma renegação porque se renega a liberdade de espírito, ao se renunciar a esse poder, a esse dever, o de livre exame.

Viver implica aceitar o “horror”, pois o mundo tal como o conhecemos não é totalmente atroz, mas comporta atrocidades.

“Como, diante de uma criança que sofre, diante de uma criança que morre, diante da mãe dessa criança, como ousar celebrar a bondade e a onipotência de Deus ou as maravilhas de sua criação?

Crer em Deus, crer num Deus ao mesmo tempo bom e onipotente é tolerar o intolerável!

É o que chamo de covardia: aceitar o inaceitável.

É violar, parece-me, o dever de compaixão, de solidariedade, para com aqueles que estão no horror, com aqueles que enfrentam a atrocidade.” (Comte-Sponville)

Faz coro, aqui a Marcel Conche, filósofo, 99 anos: “Ninguém diante de uma criança que sofre e que morre, ousaria dizer ‘O mundo é maravilhoso'”.

Será que Comte-Sponville não estaria sendo traído pela razão? Só a imaginação ilude?

Estaria certo Edward de Bono, ao afirmar que “prova não é persuasão”?

A quem se interessar, Comte-Sponville estará numa live, no próximo dia 10 de julho, na Maratona Fronteiras do Pensamento, com Andrew Solomon e Marina Abramovic.

Publicado por Dorgival Soares

Administrador de empresas, especializado em reestruturação e recuperação de negócios. Minha formação é centrada em finanças, mas atuo com foco nas pessoas.

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