
“Todos vivemos com a ilusão de que os outros, por fora, nos vejam como nós imaginamos ser por dentro. E não é assim.” (Pirandello)
Luigi Pirandello é filho do Caos. Este era o nome (Càvusu, no dialeto local) da pequena aldeia onde nasceu, localizada em Agrigento, na Sicília.
Cedo, deu-se conta da farsa que é a vida e dos comediantes desajeitados que são os homens. Estes, para sobreviver, se alimentam de ilusões e de relações imaginárias.
“A vida é de tal forma absurda e vazia de sentido que o homem elege uma aparência e uma mentira para convencer a si mesmo e aos outros de que não é um medíocre”, segundo Décio de Almeida Prado, comentando a obra de Pirandello.
Os personagens que criou tinham, segundo ele, uma grande vantagem em relação aos seres humanos, por serem produto da imaginação de um autor; faziam parte da arte e não da vida. Dessa forma, podem representar seus papéis de maneira verossímil e com uma consistência que a realidade não tem.
A vida de Pirandello tem lances trágicos. Sua primeira namorada, Lina, por quem ele era apaixonado, aceitou ser sua noiva e prometeram se casar após ele concluir seu curso superior, na Alemanha.
Quando ele retornou já não mais a amava e desfez o noivado. Lina enlouqueceu.
Anos depois, casado com Maria Antonietta, sua família perde tudo após um terremoto destruir sua mina de enxofre. Maria Antonietta enlouqueceu.
Nessa época, escreveu a peça “O Falecido Mattia Pascal”, a história de um homem que, aproveitando-se de uma falsa notícia sobre sua morte, resolve aproveitar as oportunidades de viver uma outra existência. Dá tudo errado.
Essa temática o acompanharia: a multiplicidade de máscaras que existe dentro de nós. O indivíduo não é um, mas muitos, tanto quanto o número de pessoas que nos vêem e julgam.
“Seis Personagens à Procura de um Autor” é sua peça mais complexa. É o teatro como tema do teatro. Obra-prima!
“A influência de Pirandello na dramaturgia do século XX é incomensurável.
Em sua angústia sobre a natureza da existência, antecipa-se a Sartre e Camus; em suas percepções sobre a desintegração da personalidade e isolamento do homem, antecipa-se a Samuel Beckett; em sua implacável guerra sobre a linguagem, teoria, conceitos e espírito coletivo, antecipa-se a Eugène Ionesco; na maneira como aborda o conflito entre verdade e ilusão, antecipa-se a Eugene O’Neill (e, posteriormente, a Harold Pinter e Edward Albee); em suas experiências com o teatro, antecipa-se a uma multidão de dramaturgos experimentais; em seu emprego da interação de atores e personagens, antecipa-se a Jean Anouilh; em sua visão da tensão entre máscara pública e a face particular, antecipa-se a Jean Giraudoux; e em seu conceito do homem como animal que interpreta um papel, antecipa-se a Jean Genet.” (Robert Brustein)
Na atualidade, há personagens no governo que estão à busca de autores. Personagens que normalmente se apresentam como “vítimas”, quando sabemos que são “algozes”; que fingem ser “conservadores”, embora sua sanha seja a de destruir; que falam em probidade enquanto desmoronam os meios institucionais de controle etc. Vocês sabem.
Um governo cujo mote alguns vêem como sendo “mate” e “desmate”.
“Mate e desmate”, “nunca antes na história deste País”, alguém definiu de forma tão apropriada a longa noite que atravessamos.
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