
“Quando átomos se movem para baixo através do vazio pelo seu próprio peso, desviam um pouco no espaço em um tempo completamente incerto e em lugares incertos, apenas o suficiente para que você pudesse dizer que seu movimento mudou.
Mas se eles não tivessem o hábito de se desviar, todos eles cairiam direto através das profundezas do vazio, como gotas de chuva, e nenhuma colisão ocorreria, nem qualquer golpe seria produzido entre os átomos. Nesse caso, a natureza nunca teria produzido nada.” (Lucrécio)
A declinação dos átomos (clinâmen), apresentada por Lucrécio no seu ‘De natura rerum‘, reforçava a sugestão feita por Epicuro para rebater as críticas de Aristóteles sobre o atomismo de Demócrito.
Esse pequeno movimento aleatório lateral explicaria a progressiva agregação dos átomos e, por conseguinte, a formação dos mundos.
O atomismo tem duas fases nítidas. Uma, basicamente apoiada na filosofia de Leucipo, Demócrito, Epicuro e Lucrécio. Depois, com a ciência de Jean Baptiste Perrin, Niels Bohr, Werner Heisenberg …
O clinâmen foi sempre rebatido, como absurdo.
Michel Serres anota que a visão daqueles filósofos era mais da mecânica dos fluidos do que a dos sólidos.
“A questão que propomos é: como se formam os turbilhões? Como aparecem as turbulências em um escoamento laminar? (…) A queda dos átomos sendo uma catarata laminar ideal, quais as condições para que ela entre na experiência concreta, a do fluxo turbilhonante?” (Michel Serres)
O clinâmen seria o ângulo mínimo de formação de um turbilhão, aparecendo aleatoriamente em um fluxo laminar. E esse turbilhão nada mais é do que a forma primitiva de construção das coisas, da natureza em geral.
Cícero dizia: “Os átomos encontram-se na e pela turbulência.”
Importa dizer que o epicurismo tinha o objetivo de fazer o homem alcançar a felicidade e, para isso, era necessário afastar o medo que afeta todos nós, o medo dos deuses e da morte.
Para Lucrécio, ainda, essa indeterminação fornece o “livre-arbítrio que as coisas vivas por todo o mundo tem”.
O que irritava os “cientistas” sobre o clinâmen era a sua indefinição (“em um tempo completamente incerto e em lugares incertos“): como a ciência aceitaria essa ideia de tempo incerto, em lugares incertos – ou seja, indeterminados?!
Agora temos a teoria da Evolução, a física quântica, a teoria da Complexidade e, o caos inserido no motorzinho da realidade. A física baseada em modelos de equilíbrio cede espaço para os desequilíbrios dinâmicos. Os modelos estáticos perdem seu predomínio.
A visão do universo – e até do homem – como uma máquina, certinha, previsível, perdeu seu sentido nos dias atuais.
A rega cotidiana costuma brindar o cuidado com os melhores frutos.
Dito isso, me resta pedir-lhe: Não te canses meu bom amigo, a colheita promete.
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