
“Tá apertado mas não tá justo”
Quando os piches de Alice Ruiz surgiram, todos entendiam o recado: apesar do aperto social, não havia justiça. Anos de ditadura.
A pichação é um recurso antigo; até na soterrada Pompeia ela foi encontrada, em forma de poesia, mas também como protesto. Lembram dos muros de Berlim? Só pichações.
Ela era o meio que restava a alguns para manifestar a insatisfação popular, fruto do descaso político e social. Sempre se busca um canal para expressão da indignação ou insatisfação, antes dos fatais.
Agora, temos as redes sociais, palco de pichações anônimas, com desabafos legítimos, mas também com os manipulados.
O grafite, assim como o muralismo, são expressões artísticas, indiscutivelmente. É a arte que não se contém e sai às ruas. Ou, aquela que não encontrou ressonância nos espaços mercadológicos – as galerias.
Difere dos afrescos medievais, que eram só mais um suporte. E, de consumo restrito.
O grafite “moderno” surgiu ao redor dos anos 1970, no pacote do hip-hop, ao lado da música (rap) e da dança (breakdance). Nascia a Street Art.
Hoje há um reconhecimento generalizado da arte expressa nos grafites. Temos, orgulhosamente, grafiteiros reconhecidos mundo afora, como Os Gêmeos e Kobra, entre muitos.
Um de nossos pioneiros foi Alex Vallauri (1949-1987), um verdadeiro artista.

Seu objetivo era “transformar a cidade com uma arte viva e popular e induzir à efetiva participação da comunidade”.
Ele percebeu que a obra de arte só poderia ser realmente entendida se o autor se preocupasse também com os anseios e as aspirações das pessoas comuns.
Daí, substituiu as técnicas gráficas tradicionais, executadas entre as quatro paredes de seu ateliê, por grandes matrizes que à surdina estampava nos muros e paredes da cidade.
A intervenção no espaço público era uma forma de ação política calcada no humor e na poesia, no desafio anárquico à autoridade e à elitização da arte.
Transformou a cidade numa galeria. Para todos.

Ele era inspirado pela pop art, a arte que via os objetos e a cultura de massa como subsidiárias. Os objetos e materiais funcionavam como coautores da obra.
Atualmente, São Paulo, assim outras grandes cidades, merecem destaque.
Fomos ressaltados, em maio, no NYT: (https://www.nytimes.com/2021/05/30/world/americas/brazil-sao-paulo-murals.html)
“São Paulo é puro estresse. Correria, trânsito, chuva e mais trânsito ainda. É o motoboy costurando na marginal. O tênis velho pendurado no fio de alta tensão. É o pixo nas paredes mais inacessíveis. A alta gastronomia e o pastel na feira. Poluição sonora e visual. É a alta-costura e os milhares de bolivianos costurando clandestinamente. A Oscar Freire e a cracolândia. Um amontoado de gente que desafia qualquer lógica urbanística, seguindo firme na tarefa de compor a fauna humana mais complexa do planeta.” (Cleiton Campos)
O grafite mostra essa diversidade, a complexidade que é uma cidade com milhões de agentes, nem sempre conscientes de seus papéis.
O grafite registra – para os futuros arqueólogos e para o nosso desfrute – o panorama estético múltiplo da urbe.