Na Bíblia, o gênero apocalíptico é diferente do profético? Dizem que os profetas sonhavam ou ouviam as revelações divinas; o autor de um apocalipse, por sua vez, recebia suas revelações em forma de visões e as registrava em livro. Tudo simbólico; haja intérpretes.
Há vários apocalipses apócrifos; no cânon, só o Apocalipse de João de Patmos (possivelmente o autor do quarto evangelho). É o suficiente para mitigar o sofrimento humano ao falar sobre a parusia de Cristo (sua segunda vinda) e o temido Juízo Final. O reiteradamente anunciado Fim dos Tempos.
O Apocalipse foi escrito por volta de 95 d.C., um período de perturbações e de perseguições contra a Igreja nascente. Ele normalmente é invocado em períodos difíceis para o povo – ou para a humanidade. Ouviremos falar muito sobre o “O Grande Dia da Ira”, o reino messiânico, a Jerusalém futura …
O primeiro desafio é entender sua escala de tempo, pois começa dizendo que essas “coisas devem acontecer muito em breve”. O “muito” acelera a brevidade ou a empurra para um tempo longínquo?
Não vou falar de futuro; vou dar um passeio na Baixa Idade Média, marcada pela Grande Fome (1315-1317) e pela Peste Negra (1347-1351) que a sucedeu.
Este foi um período adequado para as desgraças previstas no quarto selo apocalíptico: “Vem! Vi aparecer um cavalo esverdeado. Seu montador chamava-se ‘a Morte’ e o Hades o acompanhava. Foi-lhe dado poder sobre a quarta parte da terra, para que exterminasse pela espada, pela fome, pela peste e pelas feras da terra.” (Apo 6 7-8). Só faltaram as feras.
Além da crença de que o previsto no quarto selo estava em curso (fome, peste e a Guerra dos Cem anos), os mitos proliferavam, como o do país da cocanha (Cocagne) – “onde frangos assados voavam pelo ar e uma sobremesa de morangos deixava os sonhadores” com água na boca.
A fome decorreu de péssimas colheitas em três estações do ano seguidas em razão de condições climáticas excepcionalmente ruins.
Há histórias terríveis sobre pessoas macilentas, com os estômagos inchados pela fome, pastando como vacas ou recorrendo ao canibalismo. A ingestão de comidas não usuais ou estragadas causou epidemias de diarreia e ergotismo (“fogo sagrado”, causado pela ingestão de centeio contaminado por fungo).
A Peste Negra, por sua vez, matou cerca de um terço da população vivendo entre a índia e a Islândia. Ela já havia aparecido nos séculos VI, VII e VIII mas estava esquecida.
Um período tormentoso, daí o surgimento de manifestações exageradas, celebrativas, após o fim da guerra e da epidemia como a dançomania, por exemplo, quando grupos de pessoas dançavam de forma incontrolável e bizarra até desmaiarem ou morrerem de cansaço. Eram chamadas Dança de São Vito. Uma espécie de loucura coletiva.
Para Barbara Tuchman, há traços que aproximam o fim da Idade Média de nossa época, como a generalidade e caráter fortemente destrutivo dos conflitos bélicos, a frequência e intensidade dos abalos sociais e as crises de caráter econômico-financeiro.
Será que estamos entrando numa nova Idade Média? O Brasil será visto como o país da cocanha? Nosso carnaval será uma Dança de São Vito?