
“O Brasil não tem problemas, só soluções adiadas”, dizia Luís da Câmara Cascudo (1898-1996).
O humorista Marcelo Madureira, bolsonarista de carteirinha, inteligente, “percebeu” que o voto impresso para as eleições de 2022, pauta defendida pelo presidente, seria uma “volta ao século XVIII”. O futuro está sempre uma volta atrás, por aqui.
O Brasil é um caso crônico de obliteração e postergação. Senta-se sobre o ouro, sobre o futuro … até fazê-lo desaparecer. País que vive do que ainda não é – vive das promessas do seu potencial. Água, terra, sol e saliva.
Temos tudo para sermos o provedor das necessidades alimentares do mundo. Mas, o que isso representará para o país? Ironicamente, a riqueza continuará migrando do urbano para o rural, embora quase 80% de nossa população vivam em ambientes urbanos! Voltaremos alguns séculos.
Enquanto os países desenvolvidos – ou em trânsito para tal etapa – buscam se firmar na tecnologia de ponta voltada ao consumo e aos setores com agregação de valor, nós nos voltamos para o setor primário – eufemisticamente celebrado pelo uso de tecnologia – embora totalmente voltado para a exportação de commodities.
Isso resolverá a questão do emprego e do crescimento da renda média? Não!
O Brasil continuará pobre, mesmo que seu PIB cresça. A população continuará empobrecida, porque não participará da riqueza que a demanda mundial atiçará.
No seu livro de 1973, Civilização e Cultura, Luis da Câmara Cascudo, fala de governo e Estado, coisas que a nossa população ainda não consegue distinguir. Isso é o básico do aprendizado político.
“Possuímos comumente Estado e Governo como sinônimos.
O segundo é, muitos milênios, anterior ao primeiro.
Todos os nômades, grupos indígenas, presentemente, possuem Governo e ignoram Estado.
Mas o uso popular universal confunde as duas figuras tão diversas, diariamente registradas na imprensa de todas as línguas do mundo.” (…)
A palavra ‘economia’ vem do grego – casa e governo. Se, no rifão antigo, a economia começa por casa, toda a ciência nasce do equilíbrio com que o homem abastece e mantém sua morada, abrigo da família. (…)
Canídeos, felinos, castores, ratazanas, escaravelhos, o camarada xexéu e o famoso joão-de-barro com nidificação estupefaciente; os himenópteros pompilídeos, especialmente o cavalo-do-cão, têm todos os direitos ao título.
Abelhas e formigas, a invencível saúva, resolveram, há milênios, os problemas que ainda angustiam o homo loquens, como sejam a cidade arejada, aprovisionada, com trânsito imutável, temperatura permanente, padrões alimentares definitivos, divisão do trabalho, produção maciça, ausência de greves, tumultos e revoltas reivindicadoras, líder agitador, política aliciante, um complexo vivo e sem doentes, sem pobres, sem opressões, com ritmo, disciplina, tranquilidade. (…)”
Lembra Cascudo, ainda, que embora sem Estado – só com um governo cooperativo e complexo – os animais não emprestam, vendem, cedem ou esmolam. Vivem em solidariedade e “consciência cívica”.
Aqui, como diz Gustavo Franco, “o Estado é um fim em si mesmo, ou uma cabeça cada vez maior que o corpo, não mais o rei como ‘cabeça mística’, mas o Estado como ideia, uma criatura permanentemente preocupada em encontrar novas formas de atuar e crescer, como um parasita buscando ser maior que seu hospedeiro.”
E, cada vez mais frequentemente, os governantes querem se identificar com o Estado – “L’État c’est moi“, como pensava Luís XIV (1638-1715).