
Espinosa era monista. Quer dizer, ao contrário de Descartes que via o mundo de forma dualista, ele entendia que só poderia haver uma substância e, que tudo deveria ser considerado como modificação dessa substância única – ou seja, de Deus.
“Tudo o que existe, existe em Deus, e sem Deus nada pode existir nem ser concebido.”
Deus, entretanto, não seria como retratado nas religiões monoteístas, religiões reveladas – antropomórfico, emotivo etc. – com características “humanas”. Deus é a “substância”: uma substância que depende apenas de si mesma para existir, portanto, causa de si mesma.
A natureza não seria uma criação de Deus: seria o próprio Deus. E, nós somos parte dessa natureza, queiramos ou não. Não somos observadores, algo além da natureza – especiais.
Volto a falar sobre o livro “A vida e o espírito de Baruch de Espinosa”, texto clandestino do século XVIII, atribuído a Jean Maximilien Lucas.
Nesse livro, além de se classificar os principais líderes das religiões monoteístas (Moisés, Jesus e Maomé) como impostores (já comentado noutro post aqui), aponta-se para o perigo dos intermediários, os eclesiásticos, que se arrogam falar em nome de Deus.
“… os eclesiásticos, de qualquer religião que sejam – gentios, judeus, cristãos, maometanos – são mais ciosos de sua autoridade do que da justiça e da verdade, e são todos movidos pelo mesmo espírito de perseguição.”
Lembremos que, por seu espírito livre, Espinosa foi excomungado (Herem) em 1656, pelos rabinos de Amsterdã.
Para ele, nunca se deveria confundir a superstição com a religiosidade verdadeira. Alguns o odiavam porque revelara os meios de distinguir a hipocrisia da verdadeira devoção.
“O que torna o mal irremediável é que, após se terem estabelecido as insípidas ideias que se têm de Deus, ensina-se o povo a acreditar nelas, sem examiná-las, e se lhe infunde uma aversão pelos verdadeiros sábios, que poderiam fazê-lo conhecer os erros em que está mergulhado.
Os partidários desses absurdos tiveram tanto êxito que é perigoso combatê-los.
Para eles, é vantajoso demais que o povo seja ignorante para permitir que ele seja tirado do caminho da ilusão. (…)
Se o povo pudesse compreender em qual abismo a ignorância o arremessa, sacudiria logo o jugo dessas almas venais, que, para seu interesse particular, o mantêm nessa ignorância.
Para isso, ele só teria de se servir de sua razão; é impossível que, ao deixá-la agir, ele não descubra a verdade. (…)
… a reta razão é a única luz que o homem deve seguir, e o povo não é tão incapaz de usá-la quanto se busca fazê-lo acreditar. (…)
… é preciso apenas um pouco de bom senso para ver que Deus não é nem colérico, nem invejoso; que a justiça e a misericórdia são falsos títulos que se lhe atribuem; e que enfim nada do que os Profetas e os Apóstolos disseram dele constitui sua natureza ou sua essência. (…)
… o que essa pessoas dizem de Deus é tão tosco, que só mesmo o povo para acreditar. (…)”
Retomarei o assunto.