
Não se trata de gostar ou não; trata-se de manter a memória.
Quem foi Paraguassú? Duas gerações atrás, essa pergunta não seria levada a sério.
Paraguassú era um ídolo da nossa música, e um pioneiro, presenciou e participou do nascimento da disseminação da cultura popular através da música.
Ele foi o primeiro artista musical paulistano a gravar discos e cantar em emissora de rádio de São Paulo, conseguir fama nacional mantendo-se radicado em sua “provinciana” cidade e provar que artistas de qualidade e sucesso não eram exclusividade do Rio, que atraía os melhores do país.
E, nunca houve, em todos os tempos, artista mais paulistano que Paraguassú – talvez Adoniran Barbosa (embora este tenha abraçado o samba e o paulistanizado).
A São Paulo de Paraguassú era italianíssima. Ele próprio era italianíssimo. Seu nome era Roque Ricciardi. Mas, ele foi uma das pessoas que mais colaboraram para a “desitalinização” de São Paulo.
Até por isso criou o nome artístico de Paraguassú – que grafou com dois esses para tornar “masculino” o termo e não haver confusão com Paraguaçu, a tupinambá esposa de Caramuru.
Era, naturalmente, outra época. O tempo não corria, andava ou vagava. Não era a loucura atual – até os problemas eram mais duradouros, embora, como sempre, na sua maioria, ficcionais.
Tempo de serenatas. Dá para imaginar? O seresteiro encostado na esquina sob a luz mortiça do lampião de gás, agasalho contra o frio e a garoa na sua capa, tangendo as cordas de seu violão, cantando, apaixonado – como se apaixonava! – modinhas lânguidas, torcendo para que uma luz fosse acesa ou que a pretendente surgisse na janela.
“Era a seresta, a passos cadenciados,
cantando aos violões sentimentais,
o canto sonhador dos namorados
que antecipava as marchas nupciais!” (Paraguassú)
Em 1974, no programa Ensaio, de Fernando Faro, ele contou que a modinha “Máguas” (mágoas), um de seus primeiros sucessos, levou a uma onda de suicídio.
Voltem no tempo, escutem a canção “Perdão, Emília“, um sucesso de Paraguassú. Macabro, mas assim era a prova de paixão – Eros e Tânatos abraçados:
“Já tudo dorme
Vem a noite em meio
À turva lua
Vem surgindo o alento
Tudo é silêncio
Só se vê na campa
Piar o mocho de cruel desdém (…)
Monstro tirano
Pra que vens agora?
Lembrar-me as mágoas
Que eu por ti passei?
Lá nesse mundo
Em que eu vivi chorando
Desde o instante em que eu te vi
Te amei
Perdão,
Emília
Se roubei-te a vida
Se fui um burro,
fui cruel, ousado
Perdão, Emília
Se manchei teus lábios
Perdão, Emília
Para um desgraçado”