
Elizabeth Bishop parou, acidentalmente, no Brasil; ficou por mais de 15 anos. Apaixonou-se pela geografia e por Lotta (Maria Carlota Costallat de Macedo Soares), arquiteta e paisagista. O desenlace é trágico – Lotta morreu de overdose durante uma visita à ex-amante, em Nova Iorque.
Era mais uma tragédia na vida de Elizabeth: seu pai morreu antes que ela completasse um ano e, sua mãe, afundada pela dor, não tardou a ser internada num manicômio e a desaparecer por completo da sua vida. Foi criada nas casas de tios. Um desses, a submete a abusos.
Por isso, achava que viver é aprender a conjugar o verbo perder: “Perca um pouco a cada dia. / Aceite austero, a chave perdida, a hora gasta bestamente. / A arte de perder não é nenhum mistério”.
Apaixonada pela paisagem brasileira, imaginou a reação dos portugueses ao chegar por aqui.
BRAZIL, JANUARY 1, 1502
“Janeiros, a Natureza saúda nossos olhos
assim como deve ter dado vivas aos deles:
cada polegada forrada de folhagens,
folhas grandes, folhinhas miúdas, folhas gigantes,
azuis, verde-azuladas, e verde-oliva,
aqui e ali umas nervuras e pontinhas finas,
ou fundos de seda voltados para cima;
samambaias monstruosas,
com contornos cinza-prateados,
e flores, também, tais como imensos lírios d’água,
suspensas no ar – altas, pendendo das folhagens –
vermelhas, douradas, dois tons de amarelo, róseas,
um uivo de ferrugem e um branco azinhavrado;
sólidas mas flutuantes; frescas como se tiradas das formas
assim que concluídas. (…)
Foi assim que os cristãos, sólidos como aço,
frágeis como louça, as armaduras cintilando
e rangendo, chegaram achando tudo
um tanto familiar:
nenhum beco dos namorados, nenhum caramanchão
sem cerejas para se colher, nem música de harpas,
mas parecido, no entanto,
com um velho sonho de abundância e de luxúria (…).
Eles se puseram a rasgar o cortinado vegetal,
cada qual buscando uma índia para si –
aquelas moçoilas que iam se chamando umas às outras
(ou eram os passarinhos que tinham acordado?)
enquanto sumiam mais e mais fundo na floresta.”