
“Certa manhã, ao despertar de sonhos intranquilos, Gregor Samsa encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso”.
No primeiro dia de 1913, Franz Kafka escreveu: “O tiro da meia-noite. Gritos na ruela e na ponte. Toques de sino e batidas de relógio”. Era mais uma carta endereçada a Felice Bauer, sua paixão.
Ele, em Praga, ela, em Berlim. Cartas diárias. Ele, um funcionário de uma seguradora; ela, estenotipista. Não, não era seu trabalho inserir o closed caption ao vivo, como legenda; era taquígrafa.
Eles haviam se conhecido em agosto de 1912; desde então escreviam de madrugada – enquanto as famílias dormiam – cartas ardentes, mágicas, singulares, perturbadas (claro).
“O homem não pode viver sem uma confiança permanente de algo indestrutível em si mesmo, apesar de tanto essa coisa indestrutível como a sua própria confiança nisso poderem permanecer escondidas dele.”
Não é bem assim: certa vez Felice deixou de dar notícias. Kafka, depois de acordar de sonhos intranquilos, começou a escrever desesperadamente “A metamorfose”. Taí.
O ano de 1913 parecia trazer o congraçamento da raça humana.
Guerras? A Guerra Franco-Prussiana já fazia 43 anos. A Guerra relâmpago EUA-Espanha (1898) marcou o fim das pretensões coloniais espanholas – passando para os Estados Unidos a “influência” sobre Cuba, Porto Rico, Guam e Filipinas.
Guerras, então, estavam descartadas. Tudo tranquilo.
“A grande guerra europeia, uma ameaça eterna, jamais chegará. Os banqueiros não arranjarão o dinheiro para tal guerra, a indústria não a manterá, os estadistas não terão como levá-la a cabo. Não acontecerá nenhuma grande guerra.” Essa era a opinião abalizada de David Starr Jordan, presidente da Universidade de Stanford, 1913.
Era o ápice de uma era de otimismo e progresso irrestritos. Os limites começavam a ser rompidos, nas ciências, artes, filosofia e na sociedade.
Mal sabiam o que lhes esperavam no ano seguinte. Tudo estava sendo temperado com as cobiças nacionais e o sonambulismo dos líderes.
Mas, tudo parecia róseo. A vida seguia, inocentemente.
Naquela virada de ano, um pivete de doze anos rouba um revólver para festejar, com tiros, a chegada do ano. Era Louis Armstrong. Cadeia e internação numa casa de correção.
Pablo Picasso é interrogado sobre o roubo da Mona Lisa, que ocorrera em 1911 e só apareceria no final de 1913. Picasso e o poeta Guillaume Apollinaire eram suspeitos de terem comprado objetos roubados do Louvre. Vai saber.
Stálin chega a Viena com o nome de Stavros Papadopoulos, para tramar alguma coisa na Rússia.
Schönberg, que inventou o dodecafonismo, se pudesse pularia o ano de 1913. Tinha medo do número 13. Havia nascido num 13 de setembro e achava que morreria numa sexta-feira 13. Mais, como 7+6 = 13, suspeitava que morreria aos 76 anos. Morte anunciada: morreu aos 76 anos, numa sexta-feira 13, embora tenha ficado o dia inteiro na cama, para evitar algum acidente.
Enquanto isso, Duchamp lança seu primeiro ready-made, uma resposta sacana ao futurismo.

E, Malevitch inicia o que seria o suprematismo, uma pioneira intrusão da pintura abstrata no movimento moderno.


Um ano efervescente: o florescer de Freud, Wittgenstein, Schiele, Klimt, Matisse, Picasso, Kirchner …