
Savonarola quis incendiar Florença; morreu na fogueira.
Cheio de ‘boas’ intenções, radicalizou o desapego às coisas materiais: queimou muitas obras de arte e tudo que considerasse produtos da vaidade humana, luxo desnecessário ou de natureza imoral ia para o fogo. Eram as “fogueiras da vaidade”.
Com seu discurso “flamejante”, tinha então apoio popular. O povo (parte) sempre apoia extremistas: devem estar tocados por alguma “graça”. Os loucos, também.
Vejam só: no início era um pregador da paz e mediador de conflitos. Depois, foi dominado por “dons proféticos”. Profetismo apocalíptico! Anunciava a vinda de um Anticristo, o castigo divino, o fim dos tempos e pregava a “moralização” dos costumes e das instituições. Controverso, ao extremo.
Mas, nem tudo era extravagância. Aproximou-se dos humanistas da cidade e passou a preocupar-se com a criação de uma forma estável de governo.
Tornou-se, então, um dos responsáveis pelas reformas políticas que deram a Florença uma nova constituição e um governo republicano com ampla participação do povo. Seria uma nova Jerusalém: o novo centro do cristianismo no mundo.
Sua “inflamada” pregação deu munição aos inimigos – o principal deles, o papa Alexandre VI (Rodrigo Borgia – uma figura!) – o excomungou e, terminou seus 46 anos numa fogueira.
Pouco antes de sua morte publicou o “Tratado sobre o Regime e o Governo da Cidade de Florença”, no qual defende a democracia e os direitos civis.
Eis um resumo do capítulo “O que os cidadãos devem fazer para aperfeiçoar o governo civil”:
“Primeiro, o temor de Deus, pois é certo que todo reino e todo governo, assim como qualquer outra coisa, procede de Deus, sendo ele a causa primeira que a tudo governa. (…)
Segundo, seria necessário que amassem o bem comum da cidade e que quando estivessem nas magistraturas deixassem de lado todas suas propriedades e os interesses de parentes e amigos e tivessem olhos voltados exclusivamente para o bem comum. (…)
Terceiro, seria necessário que os cidadãos se amassem mutuamente, deixassem todos os ódios e esquecessem todas as injúrias dos tempos passados, porque o ódio e os maus afetos e as invejas cegam o olho do intelecto e não o deixam ver a verdade. (…)
Quarto, seria necessário que praticassem a justiça, porque a justiça liberta a cidade de homens maus ou os faz manterem-se no temor, e os bons e justos tornam-se superiores (…)”