
Em 1960, Claude Lévi-Strauss foi entrevistado por Georges Charbonnier.
Selecionei um trecho de suas respostas quando questionado sobre “povos primitivos”.
Ele faz uma analogia: considera os “primitivos” como uma máquina mecânica e, as sociedades “modernas” como termodinâmicas, movidas a vapor.
“… As primeiras (primitivas) são as que utilizam a energia que lhes foi fornecida inicialmente e que, se fossem bem construídas, se não houvesse nenhum atrito e aquecimento, poderiam teoricamente funcionar de maneira indefinida com essa energia inicial.
Enquanto que as máquinas termodinâmicas, como a máquina a vapor, funcionam devido a uma diferença de temperatura entre suas partes, entre a caldeira e o condensador; elas produzem um trabalho enorme, muito mais que as outras, mas vão consumindo sua energia e destruindo-a progressivamente.
(…) as sociedades que o etnólogo estuda (as primitivas), comparadas a nossa grande, as nossas grandes sociedades modernas, são um pouco como sociedades “frias” em relação às sociedades “quentes”, como relógios em relação às máquinas a vapor.
São sociedades que produzem pouquíssima desordem, o que os físicos chamam de “entropia“, e que têm a tendência de manter-se indefinidamente em seu estado inicial, o que explica, aliás, que pareçam-nos sociedades sem história e sem progresso.
Nossas sociedades não são somente as que fazem um grande uso da máquina a vapor; do ponto de vista de sua estrutura, parecem-se com máquinas a vapor; utilizam para seu funcionamento diferenças de potencial, que se encontram realizadas por diferentes formas de hierarquia social, quer se chamem escravidão, servidão, ou quer se trate de uma divisão em classes.
Tais sociedades conseguem promover um desequilíbrio em seu seio, que usam para produzir, ao mesmo tempo, muito mais ordem e, também muito mais desordem, muito mais entropia, sobre o plano das relações entre os homens.
… duas sociedades primitivas podem diferir entre si tanto quanto cada uma delas difere da nossa.
… a grande diferença é que as sociedades primitivas esforçam-se, de modo consciente ou inconsciente, para evitar entre seus membros essa clivagem (em castas, classes ou categorias) que permitiu ou favoreceu o impulso da civilização ocidental.
… em sua organização política … as decisões aí são tomadas pelo conjunto da população reunida em um grande conselho, ou pelos notáveis, chefes de clãs ou sacerdotes, chefes religiosos.
Nessas sociedades delibera-se e vota-se.
Mas, os votos só são válidos em caso de unanimidade.
Parece crer-se que, se existissem no momento de uma decisão importante sentimentos de amargura tais como os pertinentes à posição de vencido em uma consulta eleitoral, esses sentimentos, a má vontade, a tristeza de não ter sido seguido, agiriam com uma potência quase mágica para comprometer o resultado obtido.
Em certas sociedades, quando uma decisão importante deve ser tomada, primeiro – na véspera ou na antevéspera – organiza-se um tipo de combate ritual, no decorrer do qual todas as velhas querelas são liquidadas em combates mais ou menos simulados …
A sociedade começa, portanto, por purgar-se de todos os motivos de desavenças, e é somente depois que o grupo, refrescado, rejuvenescido, tendo eliminado seus desentendimentos, está em posição de tomar uma decisão que poderá ser unânime e de manifestar assim a boa vontade comum.
… um estado de unanimidade que é considerado como indispensável para que o grupo se perpetue como grupo.
… uma proteção contra o risco de clivagem, contra o risco de que uma hierarquia sub-reptícia se introduza no grupo social, entre os que estariam do lado bom e os que estariam no lado mau.
… não há minoria; a sociedade tenta perpetuar-se como um relógio, onde todas as engrenagens participam harmoniosamente da mesma atividade, e não como as máquinas, que parecem recobrir em seu seio um antagonismo latente …”
Há coisas a se aprender entre os “primitivos”.
Um pouco da unanimidade definida por Jean-Jacques Rousseau: alieno minha liberdade para participar da soberania. A vontade coletiva se sobrepõe às vontades e liberdades individuais nas questões que interessam a todo o grupo.
Quando vejo nossa sociedade dividida, fragmentada, polarizada – se autodestruindo -, penso na harmonia “primitiva” dos nossos indígenas.