Lembro de épocas em que gostos idênticos nos aproximavam. Hoje, notei, participo mais de grupos cujas características são desgostos comuns: o que nos une é o que desagrada, o que inquieta. O que separa nos une.
Muita tensão. Provocações, desvios de foco, fumaça em vários tons para que não se veja o incêndio, diversionismo, estradas vicinais em desprezo das rodovias, ruídos como mensagens … este é o meu país atual. Não dá para levar a sério. Mais uma geração perdida.
Não se consegue entabular uma conversa – dialógica – só refrãos, memes, infâmias, agressões verbais etc. Reverberações.
O pensar está proibido! O automatismo é a regra.
Lembrei-me de Antoine, personagem de um livro de Martin Page: “Como me tornei estúpido”.
Antoine era um inconformado e socialmente inadaptado. Não gostava de ser manipulado, não gostava que lhe obrigassem a estudar assuntos desinteressantes, odiava a burocracia e todas as suas máscaras.
Não “dava certo”, claro. Não se enquadrava. Ser a favor ou contra era para ele uma insuportável limitação às questões complexas.
“… inteligência é palavra que designa baboseiras bem construídas e lindamente pronunciadas”, acreditava.
Buscou a plenitude no álcool. Tinha visto que o álcool tem mais adeptos que o cristianismo, o budismo e o islamismo juntos. Deveria ser redentor. Não deu certo.
O alcoolismo é uma atitude que requer certa dedicação, é preciso consagrar a ele muitas horas por dia. Requer disciplina.
Abreviando.
Tenta o suicídio. Também fracassa.
Concluiu que só a estupidez lhe permitiria ser plenamente aceito pela sociedade.