
Anthony Knivet (1560-1649) era inglês, ruivo, alfabetizado, barbudo – e escravo.
Filho bastardo de um nobre inglês, se engajou na expedição de Cavendish em busca de fortuna. Era um observador arguto e possuía grande facilidade para as línguas.
Foi capturado em Santos e permaneceu no Brasil como escravo de Martim Correia de Sá, por dez anos, de 1591 a 1601.
Levado para Portugal por seu amo, continuou escravo; trabalhando como intérprete no porto até amealhar recursos para voltar à Inglaterra. Em 1625, escreveu seu livro onde narra suas aventuras.
Contextualizando: em 1555, Villegagnon desembarca com cerca de cem homens na baía de Guanabara, com o intuíto de iniciar um núcleo de colonização.
Seu rei, Francisco I, da França, não aceitara o Tratado de Tordesilhas, firmado entre Espanha (Castela) e Portugal e abençoado pelo papa.
O rei da França exigia ver o “testamento de Adão” para poder aceitar a divisão das terras a oeste.
A Inglaterra, apesar do esplendor cultural do período elizabetano, não tinha possessões coloniais. O império espanhol tinha a hegemonia política. Restava aos ingleses a pirataria, possivelmente patrocinada por Elizabeth.
Em 1596, os Tupinambá e seus aliados franceses já haviam sido expulsos do litoral há 36 anos. Os Tupiniquim e portugueses dominavam a costa.
Um grupo de portugueses – levando o escravo Knivet – foi atrás da prata que os espanhóis haviam descoberto em Potosí (“a cidade branca”), na atual Bolívia, cruzando o continente.
Após semanas de marcha, resolveram se apresentar numa aldeia indígena.
Os portugueses se diriam como tais e Knivet, como francês, combinaram.
Ao chegarem, todos foram amarrados. E, depois de apresentarem suas nacionalidades teve início um ritual infeliz para os visitantes: “Tu me vês? Sou aquele que matou muitos da tua nação, e agora te matará”, disse o líder indígena a um português, dando-lhe em seguida uma bordoada na nuca. Então, com um dente de capivara, os selvagens rasgaram toda a pele do morto.
O ritual repetiu-se onze vezes, até que o último português desossado fosse deglutido.
Knivet esperava sua vez, mas ouviu: “Nada receies, pois os teus antepassados (franceses) foram nossos amigos e nós, amigos deles.” Eram Tupinambá.
“Preferi colocar-me nas mãos da piedade bárbara dos selvagens devoradores de homens do que da crueldade sanguinária dos portugueses cristãos.” (Anthony Knivet)
O inglês, tido como francês pelos índios, ofereceu-se para conduzi-los para a Terra Sem Mal. Foi seguido por cerca de 30 mil indígenas.
O grupo chegou na altura da atual São Francisco do Sul, em Santa Catarina, e foi surpreendido por uma expedição comandada por Martim de Sá, filho do amo do inglês.
Os Tupinambá, antes de serem massacrados, viram seu guia “francês” revelar-se agora aliado dos portugueses.
Interessante? Vejam o livro “As incríveis aventuras e estranhos infortúnios de Anthony Knivet”.