
Em 1895, Gustave Le Bon publicou o clássico “Psicologia das Multidões”.
Era médico, mas se interessava por psicologia, sociologia, antropologia e física. Seria, com licença da palavra, polímata. Há quem afirme que ele antecipou a teoria da relatividade de Einstein.
Influenciou muitos políticos e pensadores, como Lenin, Hitler, Ortega y Gasset, Freud, Mussolini, Roosevelt, Churchill, Durkheim …
Era crítico do socialismo e … da democracia. Falaremos disso noutra ocasião.
Sobre as multidões, percebia que elas são pouco aptas ao raciocínio, mas muito aptas à ação: “A atual organização torna a força delas imensa. Os dogmas que vemos nascer rapidamente adquirirão o poder dos velhos dogmas, isto é, a força tirânica e soberana que descarta qualquer discussão”, dizia (em 1895!).
Os manipuladores das redes sociais devem conhecê-lo. Mas, não quero me desviar do que me dispus a escrever.
Afirma que, “uma aglomeração de pessoas possui características novas muito diferentes daquelas de cada indivíduo que a compõe. A personalidade consciente desaparece, os sentimentos e as ideias de todas as unidades orientam-se numa mesma direção. Forma-se uma alma coletiva, sem dúvida transitória, mas que apresenta características muito nítidas. Formam uma ‘multidão psicológica‘; um único ser, submetido à lei da unidade mental das multidões.”
Multidão psicológica não é um mero agrupamento de pessoas; requer a influência de certos estímulos. Mais: a multidão é sempre intelectualmente inferior ao homem isolado.
“A violência dos sentimentos das multidões aumenta ainda mais, sobretudo nas multidões heterogêneas, devido à ausência de responsabilidade.
A certeza da impunidade, tanto mais forte quanto mais numerosa for a multidão, e a noção de um poder momentâneo considerável devido ao número tornam-se possíveis para a coletividade sentimentos e atos impossíveis para o indivíduo isolado.
Nas multidões, o imbecil, o ignorante e o invejoso se liberam de seu sentimento de nulidade e de impotência, substituído pela noção de uma força brutal, passageira, mas imensa.” (Gustave Le Bon)
Dá para reconhecer isso na atualidade.
Ele também ressaltava que “o indivíduo em multidão aproxima-se dos seres primitivos”, deixando aflorar instintos que reprimiria, se isoladamente.
“O homem desce vários degraus na escada da civilização” quando submetidos a crises. O pânico e a violência se impõem e os humanos revelamos nossa verdadeira natureza, hobbesiana (todos contra todos).
Essa visão – teoria do verniz – de que nossa verdadeira natureza é protegida por uma fina camada de verniz, levou, por exemplo, Hitler a ordenar o intenso bombardeio de Londres.
“O uso implacável da Luftwaffe contra a força de vontade de resistir dos britânicos pode se dar – e se dará – no devido momento”, justificou.
Churchill e seus generais também temiam uma histeria das massas.
Mas, a atitude dos londrinos foi contrária a essas expectativas. Durante nove meses, mais de 80 mil bombas foram lançadas apenas em Londres. Mais de 40 mil pessoas morreram no Reino Unido. Porém, os indivíduos não ficaram histéricos nem se comportaram como animais irracionais.
“Garotinhos continuavam brincando nas calçadas, consumidores iam às compras, um policial coordenava o tráfego aparentando um tédio majestoso, e os ciclistas desafiavam a morte e as leis do trânsito.
Ninguém, até onde pude ver, sequer olhava para o céu”. (relato de um psiquiatra canadense em visita a Londres em outubro de 1940)
Ninguém aprendeu com a experiência londrina. Tanto que os aliados reproduziram a mesma lógica nazista ao bombardear civis na Alemanha: queriam destruir sua moral.
Só em uma noite, em Dresden, foram mortos mais homens, mulheres e crianças que em Londres durante toda a guerra.
A crise não fez aflorar o pior dos indivíduos, e sim o melhor deles.
É que esses políticos leram de Le Bon apenas o que queriam encontrar.
Ele ressaltava também que “as multidões se entregam aos piores excessos … tornam-se capazes de heroísmo e de sacrifício. Criminosas as multidões frequentemente são, certo, mas frequentemente também heroicas.”
Tudo depende dos estímulos sugestionados.
É importante observarmos o comportamento do povo nesta pandemia. Alguns torcem pelo caos para se apresentarem como estabelecedores da ordem. Torço para que o espírito altivo, benigno, solidário prevaleça. Que possamos subir alguns degraus.