
“Precisamos, precisamos esquecer o Brasil!
Tão majestoso, tão sem limites, tão despropositado,
ele quer repousar de nossos terríveis carinhos.
O Brasil não nos quer! Está farto de nós!
Nosso Brasil é no outro mundo. Este não é o Brasil.
Nenhum Brasil existe. E acaso existirão os brasileiros?”
(Trecho de Hino Nacional, de Carlos Drummond de Andrade)
Em 1980, o sociólogo Robert Linhart fez uma pesquisa nas antigas regiões açucareiras no Nordeste.
Lá encontrou João da Silva, neto de escravas (“minha avó valia duzentos mil réis …”), o fundador da liga camponesa de Galileia.
As ligas camponesas foram inicialmente formadas pelo PCB, em 1945 e foram logo combatidas. Voltariam em 1954, no engenho Galileia, em Vitória de Santo Antão, Pernambuco.
No segundo momento, sob a liderança de João da Silva (e depois por Francisco Julião), objetivava:
- Auxiliar os camponeses com despesas funerárias — evitando que os falecidos fossem, literalmente, despejados em covas de indigentes (“caixão emprestado”)
- Prestar assistência médica, jurídica e educacional aos camponeses
- Formar uma cooperativa de crédito capaz de livrar aos poucos o camponês do domínio do latifundiário
O proprietário do engenho consentiu, mas seu filho, não: “A sociedade de vocês é o comunismo. Nada disto na minha propriedade. Além do mais, quero fazer criação e preciso das terras de vocês. Vocês têm quinze dias para cair fora.”
João da Silva foi procurar o Juiz de Vitória. Mandaram-no às favas. Foi a Recife. Lá um juiz lhe disse que eles não poderiam ser expulsos sem indenização e indicou-lhe um advogado: Francisco Julião.
Começava uma longa batalha. Oito anos.
Neste período o patrão tentou várias vezes assassinar João da Silva pelos capangas, que chegou a ser gravemente atingido.
O processo foi perdido. Mas Julião levou a questão à Assembleia Estadual e os camponeses ganharam.
O governador foi obrigado a desapropriar Galileia – mas o proprietário foi indenizado.
Cada família camponesa teve direito a dez hectares.
Eis um relato do João da Silva:
“Houve depois a ‘revolução’. Passei sete dias escondido aqui. No fim de sete dias não pude fugir e tive que me apresentar. Levaram-me preso.
Torturaram-me duramente por seis meses e deixaram-me seis anos preso.
Perdi um olho, perdi uma orelha, fiquei cardíaco.
Hoje, se não surgir alguma coisa para aliviar o povo do campo, este povo vai se autodestruir. Veremos os homens arrancarem uns aos outros a desgraçada raiz de inhame que algum tenha encontrado.
O povo do campo está morrendo de fome. É a pior miséria do mundo. (…)”
Ainda em 1964, Castelo Branco criou o Estatuto da Terra e o que viria a ser o INCRA.
Com esse Estatuto, o Estado teria a obrigação de garantir o direito ao acesso à terra para quem nela vive e trabalha.
Atualmente, entretanto, 45% da área rural está nas mãos de menos de 1% das propriedades.
“O modelo de desenvolvimento que prevalece na América Latina está baseado na exploração extrema dos recursos naturais e favorece a concentração de terras por poucas pessoas.
Ou seja, temos de um lado poucos grupos que concentram a maior parte das terras, enquanto no outro estão muitas famílias com propriedades muito pequenas.
Precisamos enfrentar essa desigualdade que, ano após ano, prejudica o desenvolvimento sustentável e o combate à pobreza não apenas no Brasil, mas em toda a América Latina.
Precisamos reconhecer esse abismo social histórico e colocar em prática uma reforma capaz de garantir um acesso mais democrático à terra.” (Katia Maia, diretora da Oxfam Brasil)
Sem apoio efetivo, os pobres do campo, ao contrário dos prósperos latifundiários, migram para as favelas das grandes cidades.
O problema social, que se transfere para as cidades, todos sabem, é motivado por alguns fatores inatacáveis:
- concentração fundiária
- baixos salários para os que trabalham nos grandes latifúndios
- falta de apoio creditício e de assistência técnica
- mecanização do campo
Não é cova grande, é cova medida
É a terra que querias ver dividida
CurtirCurtir