
O Brasil não é fácil de se entender. Para mim, pelo menos.
O Brasil produzirá 260 milhões de toneladas de grãos nesta safra e se ufana de garantir a segurança alimentar de um sexto da população mundial, conforme falou o presidente na ONU em setembro do ano passado:
“No Brasil, apesar da crise mundial, a produção rural não parou. O homem do campo trabalhou como nunca, produziu, como sempre, alimentos para mais de 1 bilhão de pessoas. O Brasil contribuiu para que o mundo continuasse alimentado. Garantimos a segurança alimentar a um sexto da população mundial (…) O Brasil desponta como o maior produtor mundial de alimentos.”
Uma semana antes, o IBGE divulgara que “mais de 10 milhões de brasileiros vivem em situação de insegurança alimentar grave.” Em outras palavras, essa multidão — que inclui crianças — literalmente passa fome no Brasil.
Como, afinal, o mesmo país que alimenta boa parte do planeta tem ao mesmo tempo tantos milhões de famintos?
O país tem 13,8 milhões de pessoas na fila do desemprego. O contingente de pessoas subempregadas e desalentadas é assustador.
Neste anno horribili, a situação se agravará muito.
E essas pessoas, na sua maioria, precisará ficar em confinamento. É necessário.
O governo precisa ampará-las. Não só com dinheiro. Sem lero-lero liberal.
Da mesma forma que um governo preocupado com a população já deveria ter constituído uma força conjunta nacional para o enfrentamento da pandemia, também deveria criar um grupo (multipartidário, com participação de órgãos da sociedade civil) para o equacionamento da fome e da miséria no país.
O Ministério da Economia não está voltado para a população; dedica-se à elite empresarial. Olha a oferta, esquece a demanda.
Os políticos, de fato, só lembram do povo às vésperas das eleições – óbvio; mas passa desapercebido como se o óbvio fosse o que devesse ser, uma sina, desígnio divino.
Alagoas, por exemplo, o estado com a segunda menor renda per capita do país teve três presidentes da República. O carioca Collor era alagoano de fato.
O estado com menor renda per capita, Maranhão, já teve um presidente.
Se o que se tem é suficiente, mas só alguns têm acesso, não é o caso de se alargar a possibilidade de se transformar miseráveis em cidadãos? Ou vamos continuar deixando isso a cargo do berço?
O 1% mais rico da população brasileira detém 28,3% da renda e os 10% mais ricos ostentam 42,5%. Enquanto isso, os 40% mais pobres possuem 10,4%. No Nordeste, a concentração de renda é maior.
Considerando-se o patrimônio, segundo o Unafisco, apenas 0,1% da população brasileira detém aproximadamente 30% da riqueza acumulada nacional.
Embora tenhamos caído da sexta para a 12ª economia mundial, no quesito desigualdade estamos em nono lugar, atrás basicamente de nações africanas.
Falar em fim da miséria não é ser comunista; talvez solidário.
Justiça social não é caridade, mas uma espécie de distributismo, conforme pensado por Belloc e Chesterton: uma terceira via ao capitalismo e ao socialismo – ambos concentradores de renda e propriedade (nas mãos de alguns poucos ou nas do Estado).
Um texto para ser lido em voz alta, todo santo dia, em todos os ambientes frequentados por brasileiros, especialmente nas escolas, até nos tornamos humanos.
Obrigado meu caro Dorgival por fazer sua parte, e nos desculpe por toda omissão.
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