
A Ucrânia é um país cercado por interesseiras nações – principalmente a Rússia, que acha que nasceu lá, na Rússia de Kiev.
Ela é considerada o “celeiro da Europa” devido à fertilidade de suas terras. O país é um dos maiores exportadores de grãos do mundo, com uma safra muito acima da média.
Por isso, basicamente, só se tornou um país independente em 1991.
Atualmente, a rigor, a dominação prescinde de forças militares. O comércio basta. Mas os russos ainda pensam em termos antigos.
Apesar de sua produtividade agrícola, no início de 1932, os camponeses da Ucrânia começavam a passar fome. Famílias comiam grama, capim e sementes de carvalho – qualquer coisa – para sobreviverem.
A União Soviética forçara os camponeses a abrir mão de suas terras e se juntar às fazendas coletivas. Os fazendeiros prósperos foram expulsos de suas casas.
Em março daquele ano, cadáveres eram encontrados nas ruas de um vilarejo próximo a Odessa: os habitantes não tinham forças para cavar-lhes uma sepultura.
Alguns ingênuos escreviam ao Kremlin:
“Honrado Camarada Stalin, existe alguma lei estatal soviética que determine que os habitantes de vilarejos devam passar fome?
Porque nós, trabalhadores de fazendas coletivas, não conseguimos uma simples fatia de pão em nossa fazenda desde 1º de janeiro …”
Assim como em regimes de extrema direita a culpa é sempre dos esquerdistas, nos de extrema esquerda, a culpa recai nos burgueses. Sempre há culpados – outros.
Mas, vamos dar o crédito: esse tipo de regime, autoritário e de voz única, foi criação de Lenin, a partir de 1917. Os que o seguiram e seguem – de direita ou de esquerda – tentam copiá-lo.
Voltando à Ucrânia: no ápice do problema da fome, policiais e militantes do partido – motivados pela fome, pelo medo e por discursos conspirativos e odiosos – invadiram os lares dos camponeses e roubaram tudo que fosse comestível, inclusive animais de fazenda e de estimação.
Resultado: cerca de 4 milhões de ucranianos morreram de fome entre 1931 e 1934!
Esse fato recebeu o nome de Holodomor, palavra que significa fome (holod) e extermínio (mor), em ucraniano.
A fome, entretanto, não foi tudo. Enquanto a população morria de fome, a polícia secreta soviética lançava um ataque contra as elites intelectuais e políticas ucranianas, baseado em calúnias.
“Qualquer um que tivesse ligação com a República Popular da Ucrânia (que teve curta vida de poucos meses, a partir de junho de 1917), que promovesse a língua ou a história ucraniana, que exercesse carreira independente ou artística era passível de ser vilificado publicamente, encarcerado, enviado para campos de trabalhos forçados ou executado.” (Anne Applebaum)
Consciência limpa:
Da mesma forma que as políticas de “engenharia social”, promovidas pelo Khmer Vermelho (que dizimaram cerca de 20% dos cambojanos) foram vistas como “parte” do processo; e, o Genocídio Armênio (o extermínio sistemático pelos otomanos contra os armênios), a partir de 1915, continua sendo negado pelo governo turco; o Holocausto, que neonazistas culpam os judeus; o Holodomor também é negado pelos convictos stalinistas.
O negacionismo faz parte da prática extremista – de ambos os lados.
Entre 1933 e 1991, a URSS se recusava a reconhecer que alguma vez tivesse havido qualquer tipo de fome.
Em 1991, as iniciativas da Ucrânia e da Bielorrússia de se separarem fez a URSS desmoronar. Era tudo que Stalin não esperava.
Como país independente, entretanto, a vida da Ucrânia não está nem será fácil.
Liberdade vem e se mantém com merecimento e esforço (suor e sangue, quando necessário).
No século XVII, com as revoltas dos cossacos ucranianos contra a Rússia, Voltaire escreveu: “A Ucrânia sempre aspirou à liberdade”.
Como no caso do extermínio patrocinado pelos nazistas, poucos dos que organizaram a fome se sentiram culpados por isso: eles foram convencidos de que os camponeses que morriam eram “inimigos do povo”, seriam criminosos perigosos que precisavam ser eliminados em nome do Progresso.
Assim se escreve a história. Mortes e sonos tranquilos.
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