
O passado é incerto, não só no Brasil. O presente é confuso, multifacetado, caleidoscópico, permite mil leituras e nenhuma completamente verdadeira, porque sempre incompleta. Ninguém é onisciente. E é este o presente que estará, amanhã, nos livros de história.
Então, conformemo-nos com nossas parcialidades. Afinal, somos partes.
Esse é o drama da verdade. A “verdade histórica” é um patchwork que queremos ver monocromaticamente.
O futuro, então, é só um potencial de decepções, enganos e poucos acertos.
O problema é que defendemos nossas verdades como se elas fossem o que dizem ser. Não sabemos.
História sem humildade é presunção.
Vejamos o caso de Heinrich Schliemann, o “descobridor de Troia”.
Sempre me encantei com sua obstinada busca pelos sítios (históricos/mitológicos) citados por Homero.
Ao ler sua autobiografia, fiquei tocado por sua dura trajetória de vida e dedicação ao sonho de infância: seguir os passos homéricos ouvidos, de seu pai e que, segundo ele: As primeiras impressões que uma criança capta, ficam com ela durante toda a sua vida.”
Quando ele tinha oito anos, seu pai lhe contou a história da Ilíada, o amor proibido entre Helena, esposa do rei de Esparta, e Paris, filho de Príamo de Tróia, e como sua fuga resultou em uma guerra que destruiu uma civilização.
A Antiguidade Clássica era o sonho de toda uma vida.
Filho de uma família de pastores, com oito irmãos, ele se formou comerciante, devido à impossibilidade de uma educação acadêmica.
Ele ingressou, aos 14 anos, como aprendiz numa loja de mantimentos.
“Das cinco horas da manhã, até as onze horas da noite, ficava na loja e não tinha nenhum momento livre para estudar.” (Heinrich Schliemann)
Há uma sequência de fatos na sua história: inexpressividade em trabalhos burocráticos, um naufrágio, viver de esmolas … que não lhe davam possibilidades de avançar no seu projeto de estudos – a antiguidade.
“Nada estimula tanto o estudo do que a miséria e a perspectiva segura de livrar-se da mesma através do esforço no trabalho.” (Schliemann)
Empenhou-se, então, em aprender línguas: inglês, francês, holandês, espanhol, italiano, português, russo, sueco, polonês, árabe, latim e, finalmente, grego.
Ao ser indicado para uma representação na Rússia, abriu seu próprio negócio e enriqueceu.
Ora, durante séculos se procurara a legendária Troia, sem que alguém conseguisse provar que o épico sobre a guerra entre gregos e troianos tivesse fundamento histórico.
Até o ano 1871: sob o monte Hisarlik, no sudoeste da Turquia, Schliemann, então com 49 anos, encontrou os restos da cidade também denominada Ilion – de onde deriva o nome Ilíada.
Contudo, Heinrich Schliemann não foi o primeiro a acreditar que se encontrasse exatamente ali a cidade descrita no épico do poeta grego. Antes dele, o inglês Frank Calvert já escavara na região.
Mas, ele nunca mencionou Calvert. Por que?
Por que queremos ser únicos, heróis, pioneiros?
