Há pessoas que estão no corner. Não sabem como sair, mesmo tendo, calmamente, ido parar lá.
A monotonia domina suas vidas. O grito está travado; os gestos, congelados; o olhar, vidrado; o amanhã, indesejado; o corpo funciona como uma tela na qual passa um filme nostálgico; o coletivo é só o outro – não se vê no coletivo; a vida parece ter uma só lógica: destruidora ao invés de renovadora; o ar é pesado; as ruas, sem saída.
Triste. Triste porque existe esse estado e essas pessoas – muitas – não procuram ajuda nem sabem se ajudar.
SOCORRO (Alice Ruiz – música de Arnaldo Antunes)
Socorro, eu não estou sentindo nada.
Nem medo, nem calor, nem fogo,
Não vai dar mais pra chorar
Nem pra rir.Socorro, alguma alma, mesmo que penada,
Me empreste suas penas.
Já não sinto amor nem dor,
Já não sinto nada.Socorro, alguém me dê um coração,
Que esse já não bate nem apanha.
Por favor, uma emoção pequena,
Qualquer coisa que se sinta,
Tem tantos sentimentos,
Deve ter algum que sirva.Socorro, alguma rua que me dê sentido,
Em qualquer cruzamento,
Acostamento, encruzilhada,
Socorro, eu já não sinto nada.
Cotidiano (Chico Buarque)
Todo dia ela faz tudo sempre igual
Me sacode às seis horas da manhã
Me sorri um sorriso pontual
E me beija com a boca de hortelã
Todo dia ela diz que é pr’eu me cuidar
E essas coisas que diz toda mulher
Diz que está me esperando pr’o jantar
E me beija com a boca de café
Todo dia eu só penso em poder parar
Meio-dia eu só penso em dizer não
Depois penso na vida pra levar
E me calo com a boca de feijão
Seis da tarde como era de se esperar
Ela pega e me espera no portão
Diz que está muito louca pra beijar
E me beija com a boca de paixão
Toda noite ela diz pr’eu não me afastar
Meia-noite ela jura eterno amor
E me aperta pr’eu quase sufocar
E me morde com a boca de pavor
Todo dia ela faz tudo sempre igual
Me sacode às seis horas da manhã
Me sorri um sorriso…